Logo subi com duas canecas de chocolate quente e notei que O. havia colocado o pijama e já me esperava sentada.
- Você começa — ela dizia pegando uma das canecas — eu já te contei sobre como eu e meu irmão chegamos aqui, sobre Lincoln, até sobre a vadia da Cheryl, então é sua vez de contar algo. E pode começar mostrando uma foto dela.
Eu não podia negar que ela tinha razão. Me sentei na frente dela e peguei meu celular.
- As fotos são um pouco antigas, mas passa pro lado que tem mais algumas.
Falei enquanto entregava o celular pra O. que viu todas as fotos como quem analisava uma prova de crime.- Ela é linda! — Ela me devolvia o celular — Eu quero saber tudo.
Eu ri em ver o entusiasmo dela e guardei o telefone.
- Bom vamos lá! Conheci a Lexa muito nova, éramos crianças ainda, tínhamos oito anos. Nossas famílias viraram amigas por conta de nós nos darmos bem e tudo foi ótimo. Vivíamos grudadas e fazíamos literalmente tudo juntas. Eu achava normal, eu nunca vi maldade, mas quando ela fez 14 anos ela disse que precisava me contar algo... — eu sorri ao lembrar — ...ela disse que gostava de mim. Mas eu não entendi o que ela quis dizer ali, porque eu disse que também gostava dela e ela nem reformulou a frase. Quando fizemos 15 anos, todas as garotas da nossa idade começaram a beijar, mas eu não ligava pra isso, porque eu tava com ela entende? Eu sentia que era perda de tempo ir viver isso, porque ela era meu grude, quem precisaria de um namorado tendo a Lexa na vida? Tínhamos a vida de um casal sem ser um, de melhores amigas e de tudo mais.
Octávia me olhava como quem ouvia uma história de terror, ela mal piscava. Então eu dei um gole no meu chocolate e continuei.
- Nunca aconteceu nada, ela sempre me respeitou, e eu era a garota mais feliz. Ela topava tudo sabe? Íamos ao boliche só nós duas quando o tédio surgia, era nosso programa favorito, e sério, era o melhor programa, porque tudo com ela valia a pena entende? Porque ela era divertida, não havia tempo ruim... até que um dia, quando saímos do boliche, já tava de noite e nossas famílias tinham saído pra jantar. Nós nos sentamos na grama de um parque pra ver a lua e as estrelas, eu sempre amei fazer isso...
Eu me senti voltar no tempo naquele instante. Era como se meu colchão fosse a grama e pela janela eu vi, as estrelas e a lua, como naquele dia. Senti uma paz grande me invadir e sorri olhando pro céu, o mesmo céu que existiu sob a gente naquele dia... até que.
- CLARKE ACORDA QUE EU QUERO SABER O FINAL — Octávia estalava os dedos na minha frente — Você viajou sem piscar.
- Ah foi mal... — dei um riso e bebi mais um pouco do chocolate — Naquele dia, eu e ela conversávamos sobre algumas garotas do colégio e coisas da época até que ela me interrompeu e segurou minha mão. Eu sabia o que ia acontecer, algo dentro de mim sempre me avisou que aquele momento ia chegar um dia, mas eu não tive coragem de parar, porque eu tinha curiosidade sobre aquilo. E ela me disse o que sentia O., ela disse que me amava muito mais do que como uma amiga, que ela via em mim uma base, uma companheira, e tudo mais... e foi ali, bem ali que ela me beijou.
- Mas você disse que ela roubou o beijo — Octávia me encarava confusa.
- Porque eu sempre preferi acreditar nisso, mas no fundo, ela não roubou nada, porque eu quis dar.
- E você disse o que pra ela?
Naquele momento eu senti o chão se abrir sob os meus pés e o chocolate revirar no meu estômago. Meu rosto foi de alegria pra tristeza em segundos e Octávia notou.
- Droga, foi aí que complicou tudo né? — Ela me olhava.
Engoli em seco e continuei.
- Eu não disse nada Octávia. Eu levantei e corri, eu deixei ela sozinha naquele gramado e fui pra casa.
- Você ficou confusa Clarke é normal — O. segurou minha mão, mas logo me desvincilhei.
- Eu estava muito certa, esse é o problema. Eu tinha curiosidade, não amor. E aquele beijo não me despertou nada, era como se nada tivesse mudado pra mim, eu ainda a amava e muito, mas nada além de uma irmã. E eu senti vergonha por ter aceitado só por conta da minha curiosidade quando eu sabia que ela me amava, eu fui egoísta.
- Mas vocês se resolveram não? Se ela vai vir pra cá... — Octávia parecia cada vez mais confusa.
- Não exatamente. Ela foi na minha casa depois disso mas eu não à vi por duas semanas. Fugi de todas as formas possíveis inclusive no colégio, até que um dia, aconteceu, meu pai se foi — senti meus olhos encherem d'água mas logo me recompus — e ela estava no enterro. Ela me abraçou e disse que estava comigo pra tudo porque me amava, e eu disse o mesmo. O resto do ano letivo eu mal fui pro colégio e não saia do quarto, minha mãe entendeu que eu não queria vê-la pelo luto, mas não, tudo que eu mais queria era ela ali, mas eu tive medo — deixei uma lágrima cair mas logo sequei — Dias depois chegou meu boletim de reprovada, eu mal fui ao colégio não tinha o que fazer. E minha mãe decidiu se mudar. Lexa apareceu logo que soube e se ofereceu pra vir, já que ela também reprovou por passar todo o tempo preocupada comigo, porque me amava... e a única coisa que eu disse foi que eu queria deixar meu passado pra trás, junto com ela e a história do meu pai — Eu não consegui segurar e foi bem nesse instante que as lágrimas começaram a cair sem parar — E então eu vim.
Octávia me abraçou como eu fiz com ela minutos antes, enquanto ela falava de Lincoln.
- Mas como ela vai vir pra cá? Você não contou tudo — Ela secava as lágrimas que caíam pelo meu rosto e brincava com minha sobrancelha.
- Não mesmo. Eu me mudei pra cá no meio do verão, e tava tudo bem sabe? Mas ainda sim eu sentia que faltava algo em mim, e um dia antes do primeiro dia, eu mandei uma mensagem perguntando se ainda queria vir e ela aceitou. Eu sei que vamos ter que conversar e tudo mais, mas eu não posso viver sem a Lexa — eu sorri por lembrar que ela voltaria e abracei o braço de O. .
- Isso é bom, quer dizer que ela ainda ama você e que vocês vão voltar a ser amigas... mas e você, já sabe o que sente? — Ela me olhava.
- Acho que sei — Sentei de frente pra ela — Eu a amo, mas como uma amiga, uma irmã, pelo menos agora. Eu não sei o que é amar alguém entende?! Eu nunca senti isso O., mas sei que não sinto por ela, porque eu ainda tenho o sentimento puro de quando tínhamos oito anos. E eu sei que se ela me amar, vai entender.
- Ela vai sim, ela já provou de muitas formas que te ama, então relaxa que tudo vai dar certo, e um dia você vai se apaixonar loucamente.
- Como é? — Eu a olhava curiosa.
- Se apaixonar? — Ela riu — Péssimo, você perde o controle sobre você, sente borboletas no estômago e tremedeiras quando a pessoa se aproxima. Arrepios quando ela te toca. E você fica tão nervosa que se enrola toda pra responder até um oi. Mas é bom sentir o coração ocupado.
- Você sente isso pelo Lincoln? — Cochichei como um segredo rindo.
- Sim! — Ela riu e respondeu no mesmo sussurro.
Peguei nossas canecas que já estavam vazias e apoiei na estante.
- Ok, agora você me deve mais uma história — Deitei na cama ainda encarando Octávia.
- É eu sei, não tem muito segredo sobre a Raven — O. deu de ombros — Eu sou muito ciumenta em relação ao Bell assim como ele é comigo, sabe, só temos um ao outro querendo ou não, eu tenho medo de perdê-lo. E quando eu cheguei, a Raven se aproximou de mim muito rápido, mas eu era ingênua. Ela vivia em casa estudando comigo, coisas que não tinham necessidade de um estudo em casa, eu notei que ela olhava pro Bell de forma diferente, mas eu achava que era bobagem. Até que um dia, eu cheguei em casa mais cedo porque faltou luz... quando eu fui procurar o Bell no quarto dele eu peguei... você sabe.
- Meu Deus O. — Fiquei espantada mas tentei me recompor — Eu entendo seu ciúme mas isso não deveria afetar a amizade de vocês...
- Não afetou depois... na hora fiquei com raiva, expulsei ela de lá com uns bons tapas e o Bell se desculpou, nós temos uma promessa sabe, nada de um ficar com os amigos do outro pra evitar problemas — ela pareceu triste ao lembrar disso — eu o perdoei, afinal ele é meu irmão, mas passei meses sem falar com a Raven. Até que um dia, na milésima tentativa dela eu aceitei as desculpas, porque não tinha outras amigas sabe? Eu me sentia sozinha, e a Raven me fazia bem.
- Você usou ela então? — Senti minha cabeça embolar.
- Não Clarke, eu nunca usei ela. Eu realmente a perdoei, e eu sentia falta dela, mas parece que as coisas se quebraram sabe? Nunca mais fomos iguais, ela mal vai em casa, eu também não vou muito lá, nossa amizade agora é mais no colégio, ela estuda muito pra conseguir a faculdade dos sonhos, se tornou reservada. Nós não temos mais a mesma sintonia.
- Ela algum dia não foi reservada? — Falei rindo confusa.
- Pra ela transar com meu irmão claramente não. Ela saia bastante, não sabia o que queria do futuro, mas quando eu e ela nos afastamos algo mudou, não sei o que, ela nunca contou, mas ela ficou focada no futuro e deixou de ser uma vadia que ficava com vários.
- Você já tentou se aproximar? — As coisas, outra vez, começavam a tomar sentido pra mim.
- Já, mas ela me afasta.
- E se eu tentasse ajudar? Eu sempre gostei de ajudar os outros — Dei de ombros.
- Se não envolver nada das nossas conversas, nem meu irmão, pra mim tudo bem.
- Fechado então, amanhã vou conversar com ela, quero ver se consigo fazer amizade com alguém que não vem dormir comigo na primeira semana sabe?! Muito fácil.
Falei gargalhando enquanto Octávia batia um travesseiro em mim, me defendi com meus braços.
- Idiota nunca mais durmo aqui.
Eu ri e a puxei dando um abraço apertado nela. Por um momento eu conheci a verdadeira Octávia Blake, sem defesas ou fingimentos, só uma menina, apaixonada, traída, ciumenta e arrependida. E eu amei conhecê-la.
- Tá, mas agora a gente pode dormir? Essas histórias me deram sono — Octávia sussurrou me abraçando.
- Claro que podemos!
Falei rindo e apaguei o abajur deixando o quarto em um escuro quase total, se não fosse a luz da lua entrando pela janela. Octávia ajeitou o rosto no meu braço e logo dormimos.
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My Reasons
RomansaClarke tinha 16 anos quando perdeu seu pai. Abby passou a dar mais atenção à sua filha ao invés de viver no hospital. Com a chegada do final do ano, Clarke descobriu que o selo no seu boletim escolar foi vermelho com letras garrafais escrito "REPROV...