Eu tinha certeza de que, naquele momento, seria capaz de matar alguém para conseguir um cigarro. Apesar de estar ciente de que a nicotina e restante dos compostos químicos não tinham qualquer interferência no meu corpinho imortal, era bom sentir o calor girar nos meus pulmões antes de ser cuspido ao sabor do vento – tinha a vaga impressão de conseguir fazer o mesmo com a minha raiva.
E, céus, como eu estava com raiva. De mim, por ser uma criatura abominável. E deles, por me obrigarem a expor isso da forma mais dolorosa.
Desprovida do maior alívio para meu aborrecimento antissocial, fechei os olhos para sentir o cair melancólico da chuva, apesar da água não estar me tocando – eu me encontrava encolhida em uma pedra à beira do rio Sol Duc, a telecinese formando um campo de força acima da cabeça, feito um guarda-chuva. Cantarolei baixinho uma música qualquer – Live and Let Die, do Guns N'Roses, percebi – e fui surpreendida por uma pequena cotovia que pousou no meu joelho, atraída pelo espaço seco e pela melodia. Sorri, mas não fiz qualquer movimento e nem parei de cantar; não queria assustar mais ninguém, nem mesmo um pássaro. Tentei me prender nas frases cadenciadas da letra conforme procurava ignorar a casa nas minhas costas – e todos que estavam dentro dela, incluindo o som do piano que ecoava para fora.
Senti-me agradecida por nenhum deles ter me seguido, embora estivesse convencida de não o terem feito por temor a Aro. Se eu era um talento cujo Aro cobiçou, era de se esperar que todos possuíssem qualquer relação comigo morressem até que eu cedesse e me juntasse à sua pérfida Guarda – isso, partindo do princípio de que Aro não se borrasse de medo de mim. Aro não me caçara – e nem mandara aquele rastreador cretino, Demetri – em quinze anos porque tinha uma mente muito prática para deduções; ele sabia muito bem que, após o trucidamento bárbaro de Joseph, eu jamais seria um de seus tesouros e que também não o deixaria incólume se cruzasse meu caminho outra vez. Eu era poderosa demais. Era o que me fazia alvo, mas era o que me mantinha protegida.
Mas é claro, nenhum dos Cullen tinha qualquer consciência disso.
Admito que houveram situações nas quais considerei invadir Volterra e transformar todos em churrasco – seria um favor incomensurável prestado ao mundo. Mas ver a dor nos olhos dos Volturi não traria Joseph de volta – e nem era, em comparação, tão satisfatório quanto vê-los se acovardarem feito gazelas. Era por isso que tanto eles quanto eu ainda estávamos vivos – o orgulho servia de arrimo para ambos os lados.
Minhas conjecturas foram interrompidas por passos ritmados se aproximando pela retaguarda; não me virei para ver quem era, apenas filtrei sua mente. Logo que o fiz, enrijeci-me por completo – a cotovia, pobrezinha, entendeu a reação brusca como perigo e alçou voo pela chuva. Girei a cabeça com uma expressão de poucos amigos – o cheiro rústico de lobisomem me golpeou na cara.
— Você, mais do que ninguém, garoto, devia saber que eu quero ficar sozinha– murmurei.
Seth hesitou um passo, dividido. Vê-lo confuso me fez sentir envergonhada; o profundo elo de lobo que nos unia era tão novo para ele como era para mim, mas eu reagi de uma maneira bem mais suja. Enquanto eu narrava minha lamentável existência aos Cullen, parte de mim passara a última hora sondando, buscando um motivo para detestar Seth e só consegui concluir que ele era complacente demais, ingênuo demais. Seus pensamentos quase puros faziam com que eu me sentisse um súcubo— como se eu estivesse tentando seduzi-lo.
— O que você quer e o que você precisa são coisas completamente diferentes, Anna – rebateu por fim, fazendo-me levantar uma sobrancelha. Era inteligente também. – Às vezes podem ser conciliadas, mas só quando é para o seu bem.

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Estrela da Tarde
FanfictionAnneliese Masen está longe de se considerar uma vampira sortuda. Ao longo de sua existência, ela já ficou sem família duas vezes, já perdeu seu grande amor e se vê prisioneira de um poder inconstante que desperta a cobiça de inimigos poderosos. Enq...