Retorno

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Batuquei a caneta na têmpora conforme revisava as respostas da prova, murmurando-as baixinho comigo mesmo. Em seguida, olhei novamente para o relógio acima da porta da sala; os olhos atraídos para os ponteiros feito ímãs. Diabo. Ainda faltava meia hora para o sinal tocar.

Era sempre assim nas sextas-feiras. O tempo se arrastava; os ponteiros do relógio se moviam de forma preguiçosa, como se para me irritar mais. E, para piorar, naquele dia em específico eu não teria nada mais com que me distrair – o teste de história sobre a Revolução Russa foi uma coisa simples, por isso não me restava muito a não ser divagar em pensamentos até o Sr. Pine liberar a turma.

Foi depois de bufar que meus olhos se encontraram com os de Kurt, uma carteira à frente na fileira do lado. Ele apoiava a mão aberta sobre as sobrancelhas, a expressão tão tensa que era como se estivesse tentando resolver a prova por telepatia. Não precisei de muito para entender que ele não estudara absolutamente nada – sem dúvida ficara até tarde ensaiando com a banda de novo, o imbecil.

Revirei os olhos e apertei a boca, esperando que ele capturasse o movimento. Ele sorriu torto e tossiu duas vezes. Sério que ele estava querendo a resposta número dois? Era uma das mais fáceis. Suspirei e, aparentemente distraído, bati com a base da caneta na mesa três vezes – quem olhasse de fora interpretaria o gesto como um tique, mas Kurt foi rápido. Após alguns segundos, para não dar bandeira, o vi rabiscando a letra C na questão.

Kurt fez o sinal seguinte – bateu cinco vezes com o indicador na têmpora –, mas eu não tive tempo de passar a cola, pois o Sr. Pine pigarreou alto, chamando a atenção de toda a sala. Por um segundo, pensei que tínhamos sido descobertos, só que logo vi que o olhar irritado do professor não se concentrava em mim ou em Kurt, mas sim em Teresa McAllister. Ela estava debruçada sobre a mesa, dormindo a sono solto, com os cabelos negros de chamativas mechas azuis cobrindo as bochechas. Os braços pendiam molengas de cada lado do corpo.

— Srta. McAllister? – chamou o professor, o tom pouco tolerante. – Srta. McAllister? Já terminou o seu teste?

Nesse exato momento, a garota abriu os olhos – que estavam totalmente alertas, sem nenhum sinal de sonolência – e se sentou com as costas duras. Correu com a caneta sobre pontos estratégicos da prova, assinalando, e se levantou em um só folego da cadeira ao terminar. A sala prendeu a respiração.

— Sim, Sr. Pine. Aqui está. – Estendeu a folha para o homem. – Já posso sair?

O professor ficou tão estupefato com a atitude dela que não conseguiu fazer outra coisa senão apanhar o papel da mão dela e assentir – algo nunca, nunca visto antes. Com a permissão concedida, Tery atirou o material de qualquer jeito dentro da mochila e saltitou em direção a porta. Um silêncio de choque, maior do que o instalado pela prova, preencheu o ambiente. Caramba, por todos os espíritos, aquela garota era estranha. Mesmo para os padrões do sobrenatural com o que eu estava habituado. Não fazia nem um mês que voltara a La Push e já era assunto em toda a reserva. Claro que para o Conselho a presença dela tinha um significado diferente...

— Já terminou o seu teste também, Clearwater? – a voz do homem interrompeu minhas especulações.

Encarei o professor no ato e precisei reprimir o impulso de desviar os olhos para Kurt. Não, eu não terminei, quis dizer. Mas sabia que estava sem saída; eu era um péssimo mentiroso. Sem muito entusiasmo, fiquei de pé e puxei a alça da mochila sobre o ombro antes de me arrastar até a mesa dele, os dedos se retorcendo em torno da caneta.

— Só estava conferindo as respostas – justifiquei, gaguejando um pouco.

— Pois bem, então vamos conferir de verdade agora. – Sem pedir, ele tomou a caneta da minha mão e ajeitou os óculos ao focalizar o teste. – Descobrir se você vai passar o fim de semana com uma boa ou má noticia.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora