Amor perdido

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A valsa perfazia todo o salão dourado de smokings e vestidos rodopiantes. Edward mostrava estar perfeitamente confortável entre eles, guiando Lina Corwell com segura elegância através da música – apenas quem o conhecesse muitíssimo bem encontraria o vestígio de tédio nos olhos verdes. Elizabeth, sentada à minha esquerda, via-se em estado semelhante. A diferença, porém, era a impaciência – e eu já imaginava por quem ela estava esperando.

Encolhi-me na cadeira, decidida a esconder os seios que saltavam dentro daquele ridículo vestido marfim – tão ataviado com pedrinhas prateadas que parecia um confeito de padaria –, mas as unhas de minha mãe se afundaram em meu pulso, me restringindo. Mesmo tendo a luva branca cobrindo todo o antebraço, eu sabia que deixaria hematomas.

— Nem pense nisso, Anneliese – sibilou, silenciosa e ameaçadora feito uma víbora. – E quando o Sr. Van der Haar vier cortejá-la, não ouse dispensá-lo.

Suspirei alto, ignorando a dor.

— Está certo, mãe. Farei o possível para agradá-lo. – Até porque era muito difícil agradar um velho nojento de meia-idade aflito pela carne fresca de uma garota de quinze anos.

Ela não se convenceu com a promessa – havia sarcasmo em demasia para ser autêntica.

— Se fizer qualquer coisa para afugentá-lo...

— Mãe – interrompi –, se está assim tão cobiçosa de se ver livre da minha detestável companhia, por que não me deixa ir embora de uma vez? Eu jamais voltaria a incomodá-la.

A acusação não a abalou. Ela poderia até enganar Edward e dissimular para meu pai, mas nós duas sabíamos que nada daquilo passava da verdade. Minha mãe me odiava.

— Pela milésima vez, Anneliese, você não vai para Washington.

Meus olhos se encheram de lágrimas amargas.

— Como pode ser tão cruel? – murmurei, a voz embargada. – Me obrigar a isto, a um noivado com um homem que tem idade para ser meu pai e que não pensa nada além de se enfiar entre minhas pernas como se eu fosse uma prostituta barata...

— Basta! – As unhas desta vez se enterraram na minha perna por debaixo da mesa, afinal, ela não podia simplesmente me esbofetear em público. – Você vai se casar com Niels Van der Haar se ele a quiser e ponto final. Agora seque essas lágrimas.

— Pergunto-me o que papai vai pensar disso quando retornar à Chicago – lancei mão de minha última cartada, porque era a única defesa que eu tinha. Não foi à toa que Elizabeth esperou ele viajar para começar a me oferecer aos solteiros da cidade; seria uma catástrofe no que meu pai voltasse e me encontrasse prometida a um senhor de bengala.

Meus temores foram acentuados logo que um homem passou pelas portas e teve a atenção de metade da festa. O cabelo claro começava a faltar no topo da cabeça, a estatura era média e a barriga protuberante saltava por cima da calça do smoking. Embora a aparência fosse bem comum, a ferocidade e a altivez nos olhos azuis deixava evidente tratar-se de alguém da classe alta. Vários cumprimentos o receberam, mas ele somente acenou de longe, caminhando direto até nós.

— Sr. Van der Haar, quanta honra – Elizabeth o saudou, bajuladora. – O seu convite foi muito bem recebido.

Ele depositou um beijo nas costas da mão dela, a boca se escondendo detrás do bigode louro. Senti um espasmo de horror.

— Eu é que me sinto agraciado pela presença dos Masen. Veja só, que adoráveis damas! Esta é sua estonteante filha, suponho. – E então me olhou, não vorazmente como os matusaléns que frequentavam à praça central, mas de forma muito paternalista.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora