A praia

5.7K 456 192
                                    

Descobri cedo que homens são seres extremamente manipuláveis – ou, no mínimo, influenciáveis. Aprendi mais ou menos no fim da infância, assistindo as técnicas espertas que minha mãe usava quando queria extorquir algo de meu pai nas raras temporadas que ele estava em casa. Uma garrafa de vinho, um tom de voz agradável em uma conversa espirituosa, um olhar mais penetrante e cheio de mistérios... Detalhes que resultavam em risos – e outros sons – atrás de uma porta passada à chave e no olhar enfeitiçado do meu pai pela manhã, o que sempre era acompanhado de joias, vestidos, perfumes ou o que quer que Elizabeth desejasse. Claro que na época eu pouco sabia o que significava tudo isso. Quando compreendi mais do mundo do que os livros conseguem ensinar, fiquei surpresa de não ter tido mais irmãos.

Foi empregando esse conhecimento perigoso que consegui distrair Seth, que teve dificuldade de tirar os olhos de mim para cumprimentar o amigo que nos alcançou. Exatamente como eu planejava, minhas palavras – o quase consentimento sobre... nós— o abalaram o suficiente para que ele nem percebesse meus dedos sorrateiros se enlaçando nos dele, minha pele se recostando mais a sua. Perfeito, ainda que fosse evidente que ele estava usando muito do seu autocontrole para não me tomar nos braços e me beijar ali mesmo. Mordi o lábio para segurar um sorriso malicioso, e lancei mão de minha melhor expressão calorosa para o tal colega de classe, um garoto alto com as mesmas feições quileutes que eu já me habituara – pele castanho-avermelhada, cabelos pretos e lisos na altura dos ombros. Os olhos, porém, eram cinzentos como o céu de inverno. Vestia jeans escuro, botas e jaqueta de snowboard, na qual ele não parava de afundar os punhos nos bolsos e retorcer os dedos.

— Ei, Seth. – O sorriso diabólico que eu estava prendendo se estendia entre as bochechas dele ao ver nossas mãos unidas. – Que surpresa encontrá-lo aqui. – Seus olhos desceram até meus tênis em uma exploração crítica, indicando que a surpresa na verdade era eu.

Seth teve uma reação estranha para seus padrões de gentileza. Deu um passo adiante para me posicionar quase atrás de seu ombro, procurando me encobrir da curiosidade daquele garoto. Ergui a sobrancelha, confusa e não tardei a encontrar a causa daquele comportamento – ao que tudo indicava, Seth queria me manter afastada de mais mexericos em La Push.

— Kurt – murmurou, um tanto tenso. – Não sabia que você ia vir a praia hoje.

— Nem eu. – Deu de ombros. – A galera combinou de sair de última hora. Ligamos na sua casa, sabe, para chamar você, só que Sue disse que tinha saído e que ia demorar para voltar. – E agora entendi o porquê, pensou, fazendo uma pausa para me estudar outra vez e então me apontou o queixo. – Quem é a belezinha?

Seth revirou os olhos e suspirou alto, relaxando os ombros ao se render:

— Anna, esse idiota é Kurt Green, o meu melhor amigo retardado...

— O certo não seria dizer que sou o retardado do seu melhor amigo?

— ... e, Kurt – continuou, ignorando-o –, essa é Anna Masen.

— A namorada dele – completei com um sorriso sacana e dois pares de olhos se cravaram no meu rosto. – Muito prazer, Kurt. Já soube de muitas histórias sobre você. – Não era mentira; a mente de Seth era repleta de inúmeras recordações com Kurt.

O garoto me fitou como se tivesse saído uma serpente da minha boca.

— Seth não tem namorada – disse estupefato.

— Seth tem namorada. Eu. – Franzi o cenho, dando a impressão de que isso era um fato concreto que já deveria ser de noção pública. Quando obviamente não obtive resposta, voltei-me para Seth, tentando soar magoada. – Não contou de mim ao seu melhor amigo?

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora