Trégua

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Eu estava furioso. E sabia que tinha todo o direito de estar furioso. Fuzilei com o olhar aqueles olhos verde-esmeralda que me fitavam de volta, olhos lindos e audaciosamente sedutores que tinham a capacidade de me arrancar o ar em segundos, e esmurrei o batente da porta, sentindo a parede toda tremer com o golpe. Sim, eu tinha todo o direito. Só não queria me sentir tão mal por fazê-lo valer.

Encostei a testa no batente, respirando fundo até a veia parar de saltar na carótida. Maldição. Fazia dias que eu não via Anna. Recusei-me a encontrá-la desde a reunião do Conselho, na qual ela manipulara os alfas da forma mais baixa e mesquinha possível, e a única coisa que me restara dela foi o seu retrato já finalizado. Corri com os dedos pelo verde e pelo vermelho escuro da tela, que se intercalavam em um padrão sem igual, praguejando alto por fim. Como eu ainda podia sentir tanto a falta dela depois da humilhação a que fui rendido?

Saí do meu quarto tremendo, os músculos queimando na expectativa de descarregar a agressividade em alguma coisa. Queria me transformar, explodir no lobo cor caramelo e correr até as patas cederem de cansaço, mas não queria correr o risco de ter mais alguém na minha cabeça se intrometendo nos meus pensamentos. Estava com raiva dos meus irmãos também – eles concordavam com Anna e foram unânimes em apoiá-la. Era melhor ficar longe deles por um tempo, e até ali, estava tendo sucesso em evitá-los.

Acabei confinado ao quintal de casa e sem muitas opções, decidi cortar lenha. Era verão e não iríamos precisar dos tocos na lareira tão cedo, mas a outra alternativa era sair socando o tronco dos carvalhos até meus punhos sangrarem e eu não queria parecer infantil caso alguém me flagrasse. Já estavam um saco sem isso. Desci com o machado na madeira violentamente, que se partiu ao meio no ato. Posicionei outro toco, repetindo o movimento conciso. Esperei, a cada machadada, meu ódio diminuir, mas ele só inflava. Quando comecei a enxergar vermelho, desisti do machado e espatifei um dos tocos com as mãos, ainda sem derramar uma gota de suor.

Eu estava, acima de tudo, com ódio daquele vampiro desgraçado, por ele ter um dom que me impedia de acabar com ele assim como fazia com aquele toco de madeira. Por culpa dele, além da minha namorada estar sendo obrigada a testemunhar um massacre em primeira mão por dia, fui rebaixado de lobo a cordeirinho indefeso, e por consequência, todos os papéis estavam invertidos – em vez de lutador, eu virei a donzela em perigo.

Por todos os espíritos, como aquilo era insultante.

Pouco me importava se Anna era mais forte que eu, que toda a matilha ou que qualquer vampiro que já conheci – na verdade, havia até algo de excitante nisso. Eu respeitava sua independência e me dava paz interior ter a certeza que ela estaria relativamente segura aonde quer que fosse, mas seria bom se ela aprendesse a respeitar a minha independência, para variar. Que droga, eu tive que aguentar mais responsabilidades do que a maioria das pessoas da minha idade e até gente mais velha conseguiria suportar. Não foi algo que conquistei do nada.

Um ruído na floresta me chamou a atenção, alguns passos se aproximando a noroeste. Resmunguei entredentes; eu conhecia bem aquele jeito ritmado de andar. Não demorou muito para que Jacob aparecesse nas margens do terreno, o maxilar duro me indicando para segui-lo. Assenti e fiquei satisfeito por estar só de bermuda enquanto marchava rumo à floresta na retaguarda dele – pressentia que estava próximo de me transformar, e já estava ficando sem roupas no armário.

Quil e Embry nos aguardavam de braços cruzados em uma das poucas áreas intactas daquela mesma campina onde encontramos o vampiro – nem perdi tempo com eles, passei reto e me controlei até que Jacob se virasse para acertar o primeiro murro. Mal ele caiu de costas contra a terra castigada, eu já tinha partido para cima preparado para o segundo e o terceiro, mas meus irmãos me seguraram antes de conseguir fazer algum estrago relevante.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora