Pela terceira noite seguida tentei dormir e não obtive sucesso. Remexi-me na cama, impaciente e alerta pelo sono que não chegaria, e acabei sentada entre os lençóis emaranhados. Devia ser umas quatro da madrugada; o escuro tomava a floresta do outro lado da cortina de vidro e havia poucas nuvens no céu – chumaços prateados ao alto que aconchegavam a Lua crescente, a fonte da luz branca que se estendia pelo quarto.
Quis sair dali, embora soubesse que não encontraria nada com que me distrair. Dançar, tocar, compor ou mesmo cantar exigiam de mim um estado emocional elevado – picos extremos tanto de felicidade quanto de tristeza – e não era exatamente assim que eu me sentia. Além do mais, havia vozes nos andares de baixo, como de costume, e eu não pretendia alarmá-los com minha condição apreensiva – já fizera isso demais naqueles últimos três dias. Apreensiva... na falta de uma palavra melhor. A sensação desagradável que alfinetava meus nervos era mais insistente... mais preocupante.
Era o receio que anunciava a calmaria antes da tempestade.
Eu sabia que isso aconteceria cedo ou tarde. Que David viria atrás de mim, afinal, rodávamos naquele ciclo vicioso já fazia quinze anos. Só não esperava que fosse tão cedo. Devia ter desconfiado desde aquela misteriosa intuição em Chicago. Não fui cuidadosa como deveria ter sido e provavelmente ele me localizou quando voltei a Bergen com Edward, tendo mapeado meus passos de lá até Forks.
Perturbou-me que David tenha dado as caras na pior hora existente – deparando-se comigo atrelada nos braços de Seth, meus lábios quase colados nos dele. Um calafrio me percorreu devido a uma série de motivos – o choque da surpresa, o embaraço da situação, a dor das lembranças, a raiva das acusações, a saudade dele, a frustração com sua presença. Fiquei surpresa por a frustração se destacar tanto entre os demais, pois a origem dela foi a interrupção de algo que secretamente eu cobiçava – outra palavra que parecia inadequada.
Seth também não facilitou em nada o meu lado. Ele era rápido; assim como eu, viu o borrão da passagem de David, porém diferentemente de mim ele não soube explicar de que forma aquela silhueta não deixou rastro de cheiro – evidência incontestável de que se tratava mesmo de David, pois fui eu quem o ensinou esse truque. Isso não significou, entretanto, que foi fácil mentir para Seth. O pavor nos meus olhos entregou a verdade, que eu sabia de modo categórico quem era o louro esquivo, porém a falta de provas acabou com sua argumentação e engavetou o assunto, tendo servido de fato apenas para nos afastar. Tornamo-nos muito hesitantes um com o outro – ou quem sabe, tenha sido só eu – e nas tardes que ele viera me visitar, entrevi uma pontada de tristeza com meu silêncio. Ao menos não precisamos conversar sobre o quase beijo – não que fôssemos fazer isso, independentemente do ocorrido. Seth já me conhecia o bastante para saber que eu agia de supetão, mas que de jeito nenhum eu falava desses impulsos.
Saltei da cama e esfreguei as têmporas com força, tencionando arrancar cada ideia venenosa com as pontas dos dedos. Estipulei que talvez sabão e água perfumada pudessem ajudar, então resolvi me afundar na banheira, um hábito frequente para cobrir o tempo que se arrastava. Peguei um livro na prateleira sem ver ao passar pelo batente e deixei pendurado na borda enquanto amarrava meu cabelo e me despia – as torneiras giravam sozinhas, preguiçosas, e a água que jorrava sobre os sais de banho preenchia o ambiente de modo tranquilizador. Era sexta-feira e não estava chovendo em Forks, nem choveria o fim de semana todo, por isso os Cullen decidiram que sairiam todos de uma vez para caçar, dividindo-se em dois grupos seguindo direções opostas para aproveitar a ocasião. Eu não podia estar mais contente por ser deixada para trás, porque eu sabia que David ia continuar voltando até falar comigo.
Avaliei o livro no que me acomodei na espuma; O Fantasma da Ópera, de Gaston Leroux, um clássico em francês original da minha lista de não-lidos. Eu optava por ler livros em seu idioma de origem para praticar o meu domínio de outras línguas e também para me dispersar de pensamentos inoportunos – A Arte de Amar, de Ovídio, por exemplo, me custou três semanas de leitura devido ao latim arcaico da escrita. Comecei a ler e já estava no quarto capítulo, repetindo em voz alta a pronúncia de cada palavra rebuscada que encontrava, quando meu quarto foi invadido. Edward entrou no meu banheiro sem permissão e eu desci mais na água. O que diabos ele estava pensando?

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Estrela da Tarde
FanfictionAnneliese Masen está longe de se considerar uma vampira sortuda. Ao longo de sua existência, ela já ficou sem família duas vezes, já perdeu seu grande amor e se vê prisioneira de um poder inconstante que desperta a cobiça de inimigos poderosos. Enq...