Meias verdades

9.5K 703 41
                                    


Tentei, em vão, impedir meu rosto de ficar rabugento, mas era uma reação espontânea como piscar. Acomodei-me em uma das cadeiras de mogno da grande mesa de jantar dos Cullen – item mais decorativo do que qualquer outra coisa – ao que Edward servia a comida por sobre meu ombro, parecendo satisfeito por dar uma de garçom. Olhei para a banquete deslumbrada; havia pães e brioches, muffins de blueberry, omeletes e panquecas, torta de iogurte com amora, bacon frito, queijo brie, presunto de Parma, peito de peru, saladas e sucos, tudo muito fresco e perfumado.

Certamente eu estaria devorando tudo com a fome de vinte leões, se não fosse a indesejada presença dos lobisomens na mesa. Seth e Quil me ladeavam ao que Embry e Jacob, com Renesmee nos braços, ficaram defronte para mim. Leah, a única que relativamente me agradava, ficou parada sob o batente, ainda desacostumada com a proximidade com a família de vampiros – que, por sinal, se encontrava de pé no extremo oposto da sala, avistando tudo como se fosse incrivelmente interessante.

Assisti os rapazes se servindo com um misto de horror e fascínio; eles comiam até mais do que eu. Porém, isso não alterava o fato de que eles não deviam estar conosco.

— Por que há tanta comida aqui? – perguntei, tentando não falar em um tom birrento. – Ninguém nesta casa além de Renesmee pode comer comida humana, e eu já sei que ela prefere sangue.

Edward deu de ombros.

— Questão de disfarce. Chamaria mais atenção, uma família tão numerosa que não frequenta o supermercado. E, como pode ter notado, recebemos muitas visitas.

Bufei. Chama isso de visita?, pensei e me sobressaltei quando seus olhos lampejaram para o meu rosto. Escutou isso?, pensei novamente e ele assentiu uma vez. Vistoriei por sua mente e percebi que ele não podia entrar na minha, mas que toda vez que eu queria que ele escutasse ou visse alguma coisa... ele escutava. E via.

Uma evolução do dom de Nessie, talvez?, ele sugeriu, intrigado.

Considerei a ideia por um instante. Possivelmente. Ela ainda é muito jovem para desenvolver seus poderes, então é difícil especular.

Ele fez uma pequena careta, discreta demais para os outros perceberem. Por que tenho a impressão de que suas cópias são mais fortes que os nossos poderes?

Porque o trabalho de vocês é desenvolver isso pela eternidade. O meu é ter que lidar com o fardo de carregar todos de uma vez só.

Ele se encolheu um pouco com a aspereza das palavras. Mas não havia forma de soar diferente; aquela era a verdade mais absoluta de minha existência.

— Anna, não vai comer? – Esme indagou, interrompendo o diálogo mental sem perceber. A névoa de emoções indicava que Esme estava um tanto ansiosa; tanto ela quanto o resto dos Cullen ficaram aliviados de saber que eu tinha preferência por comida humana. Pensavam que se eu fosse a predadora natural sanguinária que deveria ter sido, seu anonimato acabaria indo para o ralo.

— Estou esperando os... – pigarreei, gesticulando para os rapazes – ...senhores se servirem primeiro.

— Não devia – interpelou Edward, colocando um sanduíche perfeito no meu prato. – Não nos importamos com esse tipo de amenidades sociais aqui.

Analisei o sanduíche com um sorriso torto. Peito de peru com ovos e manjericão, o favorito de papai. Talvez ele não fosse tão esquecido sobre a vida humana quanto indicava.

— Um sanduíche... – Encarei-o, cética. – Sério, Eddie? Isso não serve nem para aperitivo.

Ele gargalhou, alisando meus cachos cor de bronze.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora