Promessa

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Seria de imaginar que, com o grau dos ferimentos e com tanta morfina entupida nas veias, eu teria apagado à medida que Carlisle Cullen quebrava meus ossos que haviam se curado da forma errada. Mas não. Fiquei muito lúcido, incapaz de ceder à inconsciência conforme o eco dos estalos ocupava meu quarto e fazia todos ali se encolherem.

Havia gente demais socada ali, para um espaço de proporções tão pequenas. Minha matilha se apertava no canto na companhia de Sam, que foi avisado da invasão à La Push logo que o vampiro lunático partira. Carlisle largou o turno no hospital no instante em Anna o telefonou e Edward viera junto pois não podia simplesmente acreditar no que havia acontecido. E, é claro, havia minha implacável mãe, agachada ao meu lado e afagando meu braço direito – que, de fato, foi a única parte do meu corpo que se curou adequadamente.

De todos eles, porém, eu só conseguia me concentrar no rosto sombrio de Anna, parada junto aos meus quadros e com os olhos cravados na estaca translúcida apertada em seu punho. Ela se recusara a sair do quarto e o som doloroso parecia ser a única coisa que a tirava da catatonia. Eu não sabia o que era pior – se a confusão perturbadora na expressão dela quando seus olhos nublavam, ficando desfocados, ou a dor pesarosa que lhe contorcia as feições a cada osso partido. O remorso amargurado em seus olhos era minha maior motivação para não gritar.

— Você está bem? – indaguei, ainda que meio grogue. – De verdade?

Era a pergunta errada, eu sabia, entretanto não consegui me conter. Seus olhos faiscaram em um lampejo de raiva pura, como se os mil demônios que eu vira em sua expressão na campina ainda se revoluteassem dentro dela. Claro que Anna se irritaria se me preocupasse com seu bem-estar quando era eu quem estava todo ferrado. Mas o que mais eu poderia fazer? Eu assistira aquele desgraçado enterrar uma estaca nela, a mesma estaca que agora girava entre seus dedos, só que ainda havia muito sangue nas suas roupas – a camiseta que usava agora era tudo, menos branca.

— Meu corpo se cura mais depressa que o de vocês – retorquiu após quase um minuto, dando a entender que o corpo estava, mas a mente não. Ela não me contradisse.

Um suor pegajoso me desceu o pescoço ao mesmo tempo em que o médico tateou minhas costelas, a área que seria mais crítica de reparar. Carlisle me pediu desculpas com o olhar antes de dar um mínimo apertão; fiz uma careta para a pontada de dor que me atingiu feito uma facada, ainda que fosse uma surpresa desagradável eu estar sentindo qualquer coisa debaixo do torpor da morfina. Deduzi que minha temperatura devia estar queimando a droga muito rápido.

Logo que o pior já havia passado e Carlisle se preocupava apenas em manter as talas bem firmes e meu tronco imobilizado, Edward sentou na beira da cama, tocando minha perna por cima da atadura. Agradeci com um suspiro, porque sua mão glacial era mais eficaz que gelo.

— Bem... – murmurou. – Estava me preparando para vir até aqui surrá-lo, já que minha irmã chegou em casa toda desalinhada, mas vejo que alguém chegou antes de mim.

Ri alto, não me importando com o público. Já Anna o fuzilou com o olhar, ficando corada.

— Sinto muito que tenha perdido a vez. Melhor entrar na fila e pegar uma senha.

— Já o fiz e eu sou o próximo. – Ele arqueou a sobrancelha. – É uma benção que você tenha uma capacidade de regeneração tão acelerada, pois assim não vou ter que esperar tanto.

Abri um sorriso culpado para ele, porque apesar de sua tentativa de deixar o ambiente mais leve, eu conhecia Edward a tempo suficiente para saber que ele realmente estava furioso. Acabamos nos tornando amigos depois da batalha com os recém-criados vindos de Seattle, na qual lutamos lado a lado, mas as coisas ficaram um pouco estranhas desde o início do meu namoro com Anna. Não que eu tirasse sua razão – também não estaria confortável se tivesse que ler as fantasias eróticas do cara com uma grande predileção em deixar minha irmã despida.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora