Perda

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Diante das recentes experiências envolvendo ilusões e truques da mente, não era de se admirar que eu duvidasse do que meus olhos estavam vendo. Cocei-os, secando a umidade das lágrimas com as costas das mãos e quando enxerguei livremente, fiquei estupefato por constatar que ela ainda estava ali, de pé em meio a neblina que tomava aquela área da rodovia.

Parecia a minha irmã... e ao mesmo tempo não parecia. A expressão mal-humorada e os olhos críticos eram familiares, mas eram pormenores esquecidos no rosto bem maquiado e emoldurado por um corte moderno e bagunçado, com mechas suaves nas pontas. Franzi o cenho, analisando-a da cabeça aos pés. Leah não frequentava cabeleireiros... e muito menos se vestia feito uma cosmopolita. Aquelas botas altas e o vestido listrado pareciam ter acabado de sair de uma revista de moda e eu estava torcendo para aquele colete de pele cinza ser sintético.

Ela deve ter lido meus pensamentos na minha testa – como em geral fazia –, porque seu nariz retorceu com azedume e ela fez o que somente a minha verdadeira irmã poderia ter feito: puxou o braço para trás e me acertou um potente soco na cara.

Recuei, por pouco não caindo contra o asfalto e toquei o maxilar. É, com certeza era a Leah. Ninguém a não ser ela teria um jeito tão meigo de fazer um cumprimento.

— Oi para você também – resmunguei com sarcasmo.

— O que está fazendo aí, seu idiota? – rosnou com as mãos plantadas na cintura, rabugenta igualzinha à nossa mãe. – Jogado na beira do acostamento que nem um saco de lixo? – Ela retesou os ombros quando fiquei quieto e entrecerrou o olhar com desconfiança, finalmente se dando conta das minhas lágrimas. – O que houve?

De dentro do carro, pela porta do motorista, saiu um homem de fisionomia preocupada. Ele era alto, bronzeado, ligeiramente musculoso e o cabelo era uma nuvem farta de cachos que iam do castanho-escuro ao caramelo. O que mais me chamou a atenção foram seus olhos azul-celeste – a cor era intensa, carregada e por um momento me lembrou de um husky siberiano. Deduzi que o cara deveria ter interpretado errado a tensão que retumbava entre Leah e eu, porque pelo modo protetor e possessivo com que a cercou deixou claro que ele avançaria em mim ao primeiro movimento em falso.

— Leah? – chamou com um sotaque característico, a voz arrastada. – Tudo certo?

Ignorei a ameaça implícita no tom dele.

— Trouxe o espanhol com você? – questionei-a e automaticamente seus olhos se inflamaram em chamas perigosas. Levantei as mãos em rendição ao que ela cruzava os braços. – Está bem, está bem, não é da minha conta! – Suspirei e ergui o queixo para o alto da montanha, onde um mínimo rastro de fumaça se desprendia do meio das árvores. Não fazia muito tempo em que eu abandonara a reunião, mas não havia muitas pautas a serem discutidas além de Anna, portanto deviam estar encerrando. – Vou avisar aos outros da sua chegada.

— Não precisa! – Leah me cortou imediatamente e, se eu não a conhecesse tão bem, poderia afirmar que ela estava em pânico.

— Precisa sim e estão todos aqui perto – teimei, mesmo que me sentisse intrigado. Procurei limpar meus pensamentos para que Edward escutasse meu recado com mais facilidade; era uma distância curta e eu não queria que os outros demorassem muito para nos encontrar. – Você chegou na hora exata. Vamos para a casa dos Cullen.

Sem pedir permissão e, antes que ela tivesse chance de contestar, comecei a marchar até o carro. Apertei a boca ao ver a carroceira preta e perceber que se tratava de um Bentley; ou Leah estivera torrando com gosto o dinheiro que Anna cedera a ela, o que no fundo eu duvidava, ou o tal Martín era podre de rico. Ainda mais surpreendente que isso foi me deparar com os olhos assustados de um garotinho no banco de trás, uma miniatura tão igual ao homem que se aproximava junto de Leah que não havia como negar que era seu filho.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora