Destinados

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Existe uma lenda antiga que narra que, momentos antes de sua morte, você assiste sua vida toda correndo diante de seus olhos – uma retrospectiva de todas as suas alegrias, todos os seus infortúnios, tudo o que fez de você o que você é. E que cada detalhe dessa viagem ao passado, ao final, se encaixa de forma tão intrínseca e perfeita que sua existência passa finalmente a ter uma explicação, um fundamento que faz do fim da vida uma despedida gloriosa.

Eu não, eu tive uma experiência diferente.

Vi minha vida toda flutuar por detrás das pálpebras no refúgio dos braços de Seth.

Puxei-o para mim o quanto pude, sentindo cada fibra do meu corpo reconhecer o dele, ao que as imagens vinham e diziam adeus feito balões ascendendo aos céus até sumir de vista. O despotismo de minha mãe me obrigando a ser firme. A negligência de meu pai me induzindo a ser independente. A influência de Edward me impulsionando a ter garra. O carinho de Molly, Gwendolyn e Catharina me ensinando a bondade e a generosidade. Meu relacionamento com Hans me fazendo reconhecer o amor verdadeiro, de modo que eu não me deixasse enganar por meras ilusões. O excesso de proteção de Joseph me despertando a astúcia. Os jogos mentais de David me tornando realista. A matilha me mostrando o poder de uma amizade. A acolhida dos Cullen me levando enfim à redenção... tudo me lapidando igual a um diamante, e percebi que até as mínimas provações pelas quais trilhei eram o que fizeram de mim a outra metade de Seth – assim como ele era a minha.

Dizem que isso se chama epifania. O momento da revelação. Eu chamei de liberdade.

Se para mim aqueles instantes significavam, além da descoberta, o término de um longo período de agonia, para Seth foi algo muito maior. Foi voltar a superfície após um afogamento, era ter ar nos pulmões novamente – era ter vida. E para ambos era um alívio tão grande estar juntos outra vez que o resto do mundo parecia inteiramente irrelevante – as pessoas pareciam vultos, a música distante e abafada. Ali era apenas ele e eu. Era apenas Seth e Anna.

— Anna... – ele sussurrou como uma prece, o rosto afundado entre meus cabelos buscando meu perfume. – Você... você voltou...! – Seth se afastou me segurando pelos ombros, os olhos marejados. – Nunca, nunca mais faça...! Tem alguma noção do quanto...! – E incapaz de terminar uma frase sequer, sacudiu a cabeça, acabando por me abraçar de novo. – Ah, Anna...

— Desculpe, garoto-lobo. – Aconcheguei-me em seu peito, escutando de perto o coração martelar como um sino. – Não era minha intenção deixá-lo, nem a ninguém aqui. Eu só precisava de uma pausa para me reencontrar. – Suspirei. – Agora compreendo que tenho procurado isso nos lugares errados.

Seth afagou meu rosto, o polegar escorregando delicadamente na minha bochecha, a mesma que David esbofeteara. Uma sucessão de imagens que evocava aquela noite de todas as perspectivas que a matilha assistira lampejaram por seus pensamentos e ele tremeu, o ódio subindo com o sangue que esquentava.

— Tenho vontade de arrancar osso por osso da mão dele por ter ousado tocá-la – grunhiu, seco, as palavras ásperas rasgando a garganta soando muito mais adequadas à sua forma de lobo que a humana. – E de transformá-lo em cinzas por todo o sofrimento que ele lhe causou.

Levantei meus olhos para os de Seth sem me distanciar. Não gostava daquilo; de ver o garoto bondoso que eu conhecia sendo envenenado por David. Já bastava o que aconteceu comigo.

— Esqueça isso, eu já esqueci. – Sorri torto, manhosa. – Vim aqui para me divertir, afinal, é ou não é uma festa de aniversário?

Seth respondeu com um sorriso largo, a paz finalmente alcançando os olhos puros. Essa era uma das características que mais me fascinavam nele; que apesar do corpo de homem lhe fora conservado nos olhos e no sorriso o jeito doce de menino. A atitude, porém, contradizia a inocência de sua expressão. O braço enlaçou minha cintura, trazendo-me para mais perto de si. Mesmo de salto alto, acabei ficando na ponta dos dedos.

Estrela da TardeOnde histórias criam vida. Descubra agora