Não havia respiração além da minha. Não havia som a não ser a água escorrendo pelas úmidas paredes de pedra. O escuro se derramava pelas aberturas retangulares do teto elevado, o que denotava que devia ser noite alta do lado de fora, e os archotes de bronze pendurados nas colunatas exalavam um odor forte e fresco de querosene, ainda que estivessem apagados. A falta de luminosidade não era desconfortável, entretanto. Assim como eles, eu podia ver tudo – Aro e Caius de pé, flanqueados por Felix e Santiago; Marcus esparramado sobre seu trono, junto de Athenodora, Sulpicia e Corin; Chelsea e Demetri com as garras presas em advertência nos ombros de Amun e Benjamim; Jane e Alec estrategicamente parados próximos de David, estático à minha direita.
David, aliás, foi muito mais lento do que eu para captar os sinais nada sutis de que se tratava realmente de uma armadilha. Seus olhos lampejaram feito os de uma corça por cada rosto duro no salão, demorando-se especialmente nos batedores defronte à porta dupla atrás de nós e aos buracos que serviam de saída, parando por fim na face inexpressiva de Aro, que poderia muito bem ser catalogado como uma estátua, se não fosse as mãos unidas se apertando com avidez.
— O que está acontecendo? – David sibilou, e sua voz foi um eco vazio pelas paredes, sem resposta. De imediato, sem ao menos ser necessário ler seus pensamentos, eu soube que ele não tinha nada a ver com aquela tramoia.
Baixei a cabeça e apertei o cenho, sentindo um misto de cansaço pelos três dias em que fiquei desacordada com vergonha alheia das grandes. Tentar me encurralar sozinha já era por si só uma loucura, mas tentar pegar David e eu desprevenidos era simplesmente burrice.
— Olhe, eu sei o que estão planejando. Não vai dar certo e vocês vão se dar bem mal – avisei com um tom rabugento, embora pacífico. – Agora, que tal se eu sair por aquela porta, fingir que não vi o que eu estou vendo, e todo mundo aqui continuar inteiro?
De novo, silêncio. Minha proposta passou sem surtir efeito na Guarda, que permaneceu imóvel em suas respectivas posições, no entanto encontrou lugar nos ouvidos atentos de Aro. Os pés descalços deslizaram acima do calçamento com a graça de um sopro e, pela primeira vez, seu séquito de defesa não se moveu com ele.
— Eu nunca cobicei tanto um talento como cobicei você, Anneliese Masen – sussurrou depressa, como se confessasse seu maior pecado. – Nunca. Nem quando desejei recrutar Alice Cullen ou o seu brilhante irmão Edward, nem quando eu trouxe Jane e Alec para estas fileiras... Nunca um dom me foi tão precioso quanto o seu. – Seus olhos, de um vermelho vívido que denotava uma alimentação recente, cintilaram de ganância. – E como eu poderia não querê-la? Ter tudo e a todos dentro de si. Ter a invencibilidade ao alcance do toque. O real significado de poder. Não imagina o quanto eu ansiei por tê-la aqui, nestas paredes, minha cara. – Ele sorriu. – Meu maior tesouro, a maior aquisição de nossa pequena reunião. Porém, agora que a tenho, posso enfim ver a verdade. – O sorriso esmoreceu um pouco, e para quem não o conhecesse, ele poderia se passar por pesaroso, mas não havia qualquer tristeza emanando de Aro. Muito pelo contrário; a onda de contentamento que emanava dele deixava evidente a sua intenção de me fazer sentir seu júbilo com o triunfo, de se certificar que eu o visse desfrutando da sua vitória. – Tanto poder nas mãos de uma única criatura é perigoso. É volátil. Um risco do qual não precisamos. Mesmo que estivesse do nosso lado, cedo ou tarde teria se voltado contra nós.
Antes que eu pudesse prever, rápido demais para que pudesse impedir, alguém parou do meu lado esquerdo, junto ao meu ombro. Girei a cabeça a tempo de flagrar Demetri sorrindo, um sorriso perverso e convencido, sua mão já agarrada à minha erguendo as duas para o alto feito um troféu – a luz pálida e esbranquiçada que bruxuleava da minha palma era a única fonte de claridade do salão. Meus joelhos ficaram impotentes ante à descarga selvagem de dor que me perfurou com a precisão de mil agulhas; tombei aos pés de Aro tal qual como o monstro o obrigara a se prostrar diante de mim.

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Estrela da Tarde
FanfictionAnneliese Masen está longe de se considerar uma vampira sortuda. Ao longo de sua existência, ela já ficou sem família duas vezes, já perdeu seu grande amor e se vê prisioneira de um poder inconstante que desperta a cobiça de inimigos poderosos. Enq...