De todas as emoções que eu imaginava que me percorreriam quando encontrasse David Dalaker outra vez, certamente eu não esperava pela indiferença. Muito provavelmente por fúria, repugnância, desprazer, até um pouco de surpresa, mas não indiferença. E, no entanto, não havia nada além desse gelo vazio em meu corpo ao vê-lo parado na campina, de costas para mim enquanto fitava as nuvens finas no céu baixo. Aproximei-me, mas não muito, travando no lugar com as mãos em punho. Tinha medo que, se chegasse perto demais, meu ódio por ele e a vontade de cravar as presas em seu pescoço viria à tona.
Meus irmãos estacaram um tanto atrás do meu flanco esquerdo, não exatamente me deixando exposto ao perigo que o vampiro louro representava, mas como se estivessem me atribuindo a liderança – o que naquele caso fazia completo sentido, mesmo Jacob sendo o alfa. Se o bastardo viera até La Push, só podia ser por minha causa. Não falei nada, porém, aguardando uma iniciativa por parte dele – tive a clara impressão de ele tinha muito mais a dizer.
— Eu me recordo com uma nitidez assustadora da primeira vez que vi Anna – sussurrou quase sem voz, imóvel feito pedra. – Talvez seja a lembrança mais forte da minha vida imortal. Não sou inclinado a essas bobagens românticas, mas eu estava especialmente contemplativo observando a neve cair naquela noite. A gravidade... – ele ergueu a mão, levitando sobre a palma um ramo de pinheiro ainda fresco – ...sempre foi parte de mim. E mais me pareceu que os flocos resolveram me pregar uma peça, porque pareciam decididos a permanecer no ar. – Um suspiro pesado se seguiu e os dedos se contraíram levemente, destruindo o ramo sem nem tocá-lo. – Então entrei naquele teatro e a vi, dançando como somente seres celestiais poderiam dançar. Nunca... Nunca, nem mesmo como humano eu senti algo parecido. O tempo desacelerou e em cada movimento ela parecia ainda mais etérea que os flocos de neve, como se estivesse decidida a me provar que as leis da física... eram irrelevantes para ela, pois não se aplicavam a si.
Uma veia pulsou em meu pescoço e me peguei contraindo o maxilar. O modo como ele falava de Anna me enervava. Além do tom possessivo, havia uma espécie de veneração doentia – igual fanáticos se referindo a um deus. Se ele sentia tanta adoração por Anna, por que raios tivera o desplante de bater nela? Por que a machucara durante tantos anos? Dei um passo na direção dele, os braços agora trêmulos de raiva, mas Jacob me conteve com um gesto da mão. Seus olhos, apesar de estreitos – feito o restante da matilha –, refletiam uma cautela apreensiva.
O vampiro continuou, tão preso em divagações que parecia falar consigo mesmo:
— Meu próprio poder deu sinais se colocar contra mim, pelo modo como me senti atraído na sua direção. – Ele ergueu a cabeça para o céu, como se aguardasse o cair da chuva. – Esperar pelo fim do espetáculo para conhecê-la foi uma tortura vagarosa, mas... Finalmente ela se apresentou, da forma polida como apenas damas bem criadas se apresentam. Sua voz... Ah... – Ele tremeu de prazer. – Foi como eu me lembrava de tomar uma caneca quente de hidromel. Fez-me sentir mais homem que vampiro. Um calor correu meu corpo e meu coração desfaleceu em uma única batida. Aquilo me chocou muito. – O braço subiu para junto do peito e eu intuí que sua mão tocava o lugar onde não havia som. – Eu havia me habituado ao silêncio. Jamais pensei que poderia existir emoção tão poderosa ou eu teria percorrido o mundo à sua procura.
Ele deu de ombros, enfim dando sinais de não estar falando apenas com sua consciência, e girou os calcanhares para nós. Ficar frente a frente não aplacou meu estado de espírito, ainda que tenha me feito vacilar. Parecia idiotice, só que algo nele me deixava de cabelo em pé – ele era muito mais baixo do que eu e de constituição magricela, mas continuava sendo horripilante. Não sabia dizer se era por conta da expressão sombria, com os olhos cravados na grama, ou da palidez da pele, que contrastava com a roupa escura, ou mesmo culpa do próprio terno cinzento, mas até meus irmãos se empertigaram – Embry, por exemplo, já não parecia achar o apelido de Alfaiate Gótico tão engraçado.
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Estrela da Tarde
FanfictionAnneliese Masen está longe de se considerar uma vampira sortuda. Ao longo de sua existência, ela já ficou sem família duas vezes, já perdeu seu grande amor e se vê prisioneira de um poder inconstante que desperta a cobiça de inimigos poderosos. Enq...