Capítulo 19 - A salvação

25 3 0
                                    


John

Donovan me encarou, frustrado. Estava em péssimo estado, mas se recuperava rápido dos ferimentos e recobrava seu velho e já familiar mal humor. Ainda assim, aquela era a mais pura verdade. Eu não fazia ideia do que Vladimir quis dizer com aquilo.

― Não pretendo sumir ― respondi, ainda meio tonto pelo efeito da explosão e sentindo muitas dores por todo corpo. ― Quero encontrá-la, tanto quanto você e farei o que for preciso para isso.

― Não somos aliados. Não conte comigo para levá-lo até ela.

Não tenho ilusões, Donovan Hunter. Somos inimigos e isso não vai mudar por causa de uma luta.

Espero não precisar mais vê-lo, Caído.

E com essas palavras ele se foi, tão rápido e sorrateiro quanto chegou, sumindo no meio do parque e me deixando com um único pensamento em mente: onde estaria Carlie e o que Vladimir queria dizer com voltar onde tudo começou?

Parti para casa ainda me sentindo excitado pela batalha e com plena consciência de que, após tanto tempo na Terra, meus poderes já não eram mais os mesmos. Usá-los me tirava muita energia vital. Ao chegar, surpreendi-me com a imagem no espelho. As roupas estavam rasgadas, o corpo todo surrado, ensanguentado, e um horrível hematoma no olho esquerdo, que deixava minha visão meio turva. Precisava urgentemente de um banho e um bom descanso para me recuperar.

Entrei embaixo do chuveiro e fiquei pensando em tudo que aconteceu. O que Vladimir falou durante a luta me preocupava. Precisava encontrar, dentre as palavras dele, algum sentido que me ajudasse a descobrir onde Carlie poderia estar, já que a única pista que me deu foi àquela maldita frase: "você precisa voltar ao início", o que não significava nada para mim.

Fiquei ali por alguns minutos ou uma hora inteira, não sei precisar, pensando e pensando, mas nada vinha à minha mente. Talvez, por estar cansado, todas as ideias me pareciam inviáveis. Então, me rendi. Sem uma pista concreta, teria o mundo inteiro para vasculhar.

Saí do chuveiro, sequei-me e estava tão exausto que vesti apenas uma boxer branca antes de cair na cama. Logo peguei no sono e o que parecia impossível aconteceu. Comecei a sonhar. Estranhei a sensação. Em geral, só vivia essa experiência com Carlie e não eram exatamente sonhos, mas ilusões que eu mesmo criava. Mas, dessa vez era diferente.

Estava com Donovan em uma enorme sala. Não conseguia ver muito do ambiente porque era noite. A única iluminação provinha de algumas velas acesas em grandes castiçais dourados; tão altos quanto uma pessoa, e havia vários espalhados pelo ambiente. O tempo estava bem feio. Tinha muito vento e o céu estava negro, pronto para desabar em tempestade, pelo que dava para ver através das janelas. De repente, um homem de aparência sombria surgiu, parando a alguns passos de distância. A escuridão dificultava minha visão e seu rosto só era parcialmente visível a cada relâmpago lá fora.

― Vocês são mais teimosos do que eu pensava ― ele pronunciou em uma voz baixa, porém, denotando autoridade. ― Acho que você nem imagina o que está acontecendo. Não é mesmo, Caído?

Então, ele fez uma pausa e olhando para Donovan, prosseguiu:

― Não pensei que depois de tanto tempo você teria coragem de voltar aqui. Ainda mais com esse anjo de asas negras ao seu lado. Ou deveria dizer, esse demônio? Isso é praticamente uma afronta.

Minha mente estava confusa, turva. Podia ver Donovan e a mim mesmo, mas todo aquele cenário não me parecia estranho e percebi que algo no fundo da sala se movia. Forcei um pouco mais a vista e, repentinamente, um relâmpago forte clareou todo o ambiente. Foi então que avistei Carlie.

Estava em um tipo de pedestal, como se estivesse pronta para ser sacrificada ou algo assim, mas não era apenas isso. Atrás dela tinha um anjo e eu sabia quem ele era. Aquele era Kasyade, o Quinto Anjo, que foi banido dos Céus por ter ensinado aos homens sobre os segredos dos espíritos. Mas, o que ele fazia ali? Sua presença não fazia o menor sentido, mas estava claro que era ele quem a mantinha cativa.

Olhei para Donovan, esperando alguma reação, mas era como se ele não pudesse vê-la. Nenhum de nós fez menção de se mover ou mesmo pronunciou uma palavra. Fiquei olhando para ela e de vez em quando parecia que ela também olhava para mim, como se soubesse que eu estava ali. Então, dois homens, certamente vampiros, se aproximaram de Carlie e apertaram seus braços de forma bruta. Queriam forçá-la a aceitar alguma coisa, mas ela resistia. Eu estava em forma espiritual e sabia que não podia fazer nada para ajudá-la. Agarrava-me a esperança de que aquilo não passasse de um sonho, mas não compreendia o motivo de Donovan não reagir.

Permaneci olhando para ela e observando a cena, como quem assiste a uma peça teatral. Ela se recusava, não aceitava seja lá o que fosse. Eles forçavam, mas ela sempre negava de algum modo. Até que a sala ficou completamente clara.

Quando pensei que se iniciaria uma luta, tudo se apagou novamente e eu já não estava mais lá. Agora, estava em outro ambiente, uma sala menor, onde um homem me observava.

― Está certo de que não aceitará minha proposta? ― Sua voz era muito grave e familiar.

― Jamais aceitaria! ― respondi.

Ele olhou fixamente em meus olhos antes de dizer:

― Muito bem. Espero que possa suportar as consequências!

Uma última imagem invadiu minha mente, antes que perdesse a consciência por completo, a imagem de Carlie morta.

Acordei com um pequeno espasmo de susto e fiquei impressionado ao me lembrar do sonho. Nunca tinha me acontecido antes.

Comecei a analisar tudo que me lembrava. As cenas surgiam como um flashback em minha cabeça. Coisas que já havia esquecido, como o dia em que fui banido do Céu e meus primeiros momentos na Terra. Então, as palavras de Vladimir ressoaram em minha mente como um trovão. Agora tudo fazia sentido.

Talvez eu soubesse onde Carlie estava sendo mantida e, se minha conclusão estivesse certa, precisava me levantar imediatamente e ir atrás dela. Do contrário, nunca mais a veria com vida.

M.A.D.E. Primeira Geração - série Mais Além da EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora