Carlie
As horas se esvaíram com rapidez e sem que percebesse, a manhã se foi. Já havia comprado tudo que necessitava e não queria passar o resto do dia pensando no anjo e nas coisas que ele falou para me ferir, muito menos na traição de Donovan. Sem saber exatamente o que procurava, entrei em uma agência de viagens e comecei a folhear panfletos que apresentavam os mais diversos roteiros. Foi aí que me deparei com um sugerindo as belezas da Dinamarca.
A lembrança do país que deu origem a minha existência como vampira fez passar uma ideia maluca por minha cabeça, mas não queria decidir nada por enquanto. Antes que o atendente se aproximasse, tentando me vender um pacote para alguma praia paradisíaca, guardei os folhetos na bolsa e saí da loja. Coloquei as sacolas com as compras no banco de trás do carro e dei a partida.
No caminho para o hotel passei por uma choperia que, àquela hora, estava vazia. Parecia um lugar bem organizado, quer provavelmente era frequentado pelos jovens da cidade.
A ideia de passar a noite sozinha em um bar não era bem o que eu chamaria de diversão, mas precisava fazer algo para distrair minha mente e aquele parecia ser um bom lugar para isso.
Depois de arrumar as compras e, finalmente, desfazer as malas, senti-me bem melhor. Antes de decidir o que vestir, servi uma taça do precioso líquido vermelho que trouxe comigo de São Paulo e percebi o quanto meu estoque era pequeno. Daria apenas para mais um dia. Precisava descobrir logo uma Casa Paraíso e me abastecer ou teria problemas.
Não devia ser tão difícil localizar algum dos meus irmãos de raça. O problema é que não fazia ideia de como me apresentar, já que nunca precisei me preocupar muito com isso. Donovan sempre resolvia esse lado prático de nossas vidas, mas agora eu precisava aprender a me virar sozinha. Ainda tinha a questão do sigilo. Porque, é claro que a essa altura Donovan já tinha colocado o mundo inteiro em alerta, atrás de alguma informação sobre o meu paradeiro.
Decidi que o dia seguinte seria dedicado a essas tarefas: localizar uma Casa Paraíso e apresentar-me aos que controlavam a cidade, renovar meu estoque de sangue e, quem sabe, até subornar alguém para ocultar minha passagem temporária pela região. Provavelmente, já tinham conhecimento de que havia uma forasteira em seus domínios e estavam à espera de um contato.
Pensei em Donovan e em como ele sempre cuidou de tudo para mim. Sabia que ele devia estar feito louco me procurando e me senti um pouco culpada por estar fugindo dele dessa maneira, mas eu precisava desse tempo, precisava deixar a raiva passar e colocar meus sentimentos em ordem outra vez.
Para afastar os pensamentos que me levavam à tristeza, separei uma roupa, sem muito entusiasmo, e me obriguei a me arrumar um pouco. Estava decidida a aproveitar ao menos uma parte da noite na choperia e para isso tinha que apresentar uma aparência agradável, não aquela cara de garota deprimida. Optei por algo básico. Uma calça e uma camiseta, que ficariam perfeitas com uma sandália alta. Peguei a bolsa e saí, para descobrir o que a noite daquela cidade me reservava.
Estacionei o carro do outro lado da rua, em frente à choperia, e caminhei até lá. Escolhi uma mesinha discreta na varanda. Examinava o cardápio, que um jovem e simpático garçom me entregou, quando senti uma presença estranha. Foi como sentir a presença do anjo, mas de alguma forma eu sabia que não era John. Parei de ler o cardápio e, sem erguer a cabeça, concentrei-me naquela sensação, que foi aumentando mais e mais, até que ouvi uma voz familiar bem à minha frente.
― Oi, garota! Você por aqui?
Espantada, levantei a cabeça bem devagar. Era Kasyade.
Como não senti nada na noite anterior? Como era possível ele se aproximar de mim sem que eu me desse conta de quem, ou melhor, do que ele era? Talvez fosse mesmo um simples humano que eu tinha conhecido no parque. Nesse caso, eu estava começando a delirar.
― Ah! Olá, Kasyade! ― respondi ainda confusa. ― Desculpe! Estava tão distraída...
― Tudo bem, pequena! Eu percebi. Parecia que você estava lendo a mais intrigante das notícias e não um simples cardápio. É sempre assim quando está com fome?
Rimos um pouco e foi o suficiente para descontrair o ambiente.
― Tem razão, minha mente estava longe daqui ― menti ―, mas, por favor, não me chame assim. Não é nada com você. Só não gosto de ser chamada de pequena.
― Desculpe! Não foi minha intenção aborrecê-la, Carlie. Posso fazer companhia a você ou está esperando alguém?
― Não espero ninguém. Estou sozinha e vai ser bom ter um pouco de companhia ― completei. ― Seria mesmo estranho beber desacompanhada e sem ter com quem conversar.
― Concordo. Isso parece triste. Então, vamos falar de coisas boas. Gostaria de saber mais sobre você. A noite passada você me pareceu tão solitária, como se estivesse perdida em seus pensamentos.
― E estava mesmo.
― Ok! Não precisa falar de seu passado se não quiser. Conte seus planos. O que pretende fazer nessa cidade tão pequena. Isso aqui não combina muito com você.
― As coisas não estão saindo bem como eu imaginava, mas ainda espero me surpreender.
― Hum! Você é bem estranha, sabia?
Rimos descontraídos e o garçom se aproximou para anotar os pedidos.
― Já escutei isso outras vezes.
― Fico imaginando o motivo ― ele comentou sorrindo. ― Tenho certeza que vai adorar nossa cidade, mas esperar que ela lhe proporcione alguma surpresa, aí é um pouco demais, gata. Para isso você precisaria viver um tempo em cada cidade do mundo. Nunca pensou nisso?
― Acho que para mim isso não seria difícil ― murmurei.
― Desculpe, o que disse?
― Que você está certo. Mas, por enquanto, pretendo viver aqui.
― Então, mais uma vez, seja bem-vinda! Conheço a cidade como a palma da minha mão. Se precisar de alguma coisa é só me falar.
Ficamos ali por quase três horas, bebendo e conversando. Ele sugeriu vários lugares que eu deveria conhecer e que, segundo ele, acharia interessante, e falou sobre as pessoas a quem poderia me apresentar para que não me sentisse isolada.
― Nossa! Eu me distraí tanto que nem senti as horas passarem.
― Que bom! É sinal que nos divertimos juntos.
― É verdade, mas agora preciso ir.
― Tudo bem. Ia me oferecer para acompanhá-la até seu hotel, mas sei que está de carro e não é necessário. Então... foi um prazer passar a noite com você. Não esqueça o que combinamos. Vejo-a amanhã às dez horas, em frente à fonte do parque.
― Estarei lá. Tenha uma ótima noite!
― Você também. Até amanhã!
Como por impulso, dei um abraço de despedida em Kasyade. Mais uma vez, senti como se o anjo estivesse muito próximo. Ou como se o próprio Kasyade fosse um deles. Tratei de expulsar aquela sensação. Provavelmente, era apenas a minha vontade de encontrá-lo.
Dei as costas para Kasyade e sem olhar para trás, entrei em meu carro e segui para o hotel. Durante o caminho fiquei pensando no que tinha sentido. Era tudo muito novo e estranho. Em alguns momentos, pensava em Donovan e em John. Em como estariam se sentindo, se estavam tão confusos quanto eu. Às vezes, apenas ficava tentando imaginar o que estariam fazendo. E em outros momentos, como há pouco no bar, simplesmente os esquecia.
Na manhã seguinte, fui ao encontro de Kasyade, como combinado. Aquilo era um pouco estranho e cheguei a pensar que ele não estaria lá, mas encontrei-o em frente à fonte. Não demorou muito para ele perceber minha presença e abrir um sorriso, enquanto acenava. Por algum motivo, achei a cena engraçada e até ri um pouco.
― Bom Dia, Carlie! Preparada para nosso tour pela cidade?
― Bom dia! Estou ansiosa ― respondi, retribuindo o sorriso.
Ele me tomou pela mão e fomos ao que ele chamava de tour, para conhecer a cidade onde eu teria que aprender a viver por um tempo.
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M.A.D.E. Primeira Geração - série Mais Além da Escuridão
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