1. radio gaga

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"Radio, what's good? Radio, someone still loves you...". Eu dançava em frente ao espelho, segurando o meu diskman com uma mão, e na outra, uma colher de pasta de amendoim. A música era tão alta e eu me arrepiava, mesmo ouvindo pela milésima vez. Era sempre assim com qualquer música do Queen. Eu pensava agora no Roger Taylor, os cabelos loiros, os olhos claros... Tocando bateria de óculos escuros, ele é tão lindo. E Josh... Josh?

- Joalin? JOALIN!!! - eu consegui fazer uma leitura labial do que ele provavelmente gritava. Tava parado na porta do meu quarto, um certo desespero no olhar. Eu empurrei o fone do meu ouvido e pausei a música.

- O que é?

- Eu e o Noah vamos até a loja de discos. Você quer ir junto?

- Hmm... - talvez o novo álbum do Bryan Adams chegou? - Tá bom. Espera, vou colocar roupa.

- Você tá de roupa.

- Ah! Você acha que eu vou assim? - de pijama, no caso.

- Ué.

- Sai!

- Você tem 1 minuto.

- SAI!

Ele fechou a porta e eu tirei o fone, jogando o diskman na cama. Peguei meus jeans jogados numa cadeira, uma blusa amarela e calcei meus tênis. Meu cabelo estava péssimo, mas eu nem ligava, afinal, era o Noah. Noah, falando nisso, é nosso vizinho e melhor amigo do meu irmão desde que mudamos pra cá. Isso há uns 15 anos, então eles são praticamente grudados. Eles tem toda aquela coisa de amizade entre garotos, uma mania de contar segredo e fazer piadas internas. Eu já cansei de tentar entender, afinal, os dois às vezes parecem que vivem naqueles cartoons aonde nenhum dos personagens fala, apenas emitem sons estranhos e a faixa indicativa é para os 5 anos. Eu até que gosto do Noah, ele é, inclusive, maravilhoso. Não chega a ser um Roger Taylor, mas quem sou eu pra ser exigente? Enfim, ele é legal, sempre me tratou bem e já me defendeu muitas vezes das implicâncias do meu irmão. E eu estava olhando pra Noah e seu cabelo castanho reluzente agora, no fim da escada. Desci e já abri a porta, sendo seguida pelos dois. Nós chegamos no centro da cidade depois de andarmos uns 8 minutos. Entramos na Denny's, a loja de discos mais antiga do nosso estado. Sério, eles existiam provavelmente antes mesmo do disco nascer. Fui direto pra sessão dos lançamentos, e não, o álbum do Bryan Adams não tinha chegado.

- The Outfield. - Noah cruzou a mão com a minha, pegando o álbum que meus dedos quase encostavam. Revirei os olhos, até que olhei a capa.

- Hm, parece ok.

- Você conhece? - Noah perguntou pro Josh.

- Não. Ah, deve ser pop.

- Você gosta de pop, né Joalin? - Noah me perguntou. Eu conseguia sentir sua respiração tão perto de mim e me afastei alguns centímetros.

- Gosto.

- Aqui. - ele me entregou o álbum, e eu virei pra ver quais músicas continha.

- Quanto tá?

- 3,99.

- Uau, barato. Você vai levar? To curioso pra ouvir.

- Vou. A gente pode ouvir algum dia. - eu sugeri pra ele. Josh olhou pra nós dois do outro lado da estante, franzindo as sobrancelhas e dando uma risada silenciosa. Revirei os olhos de novo.

- Ok. - Noah apenas concordou, dando um sorriso.

Ficamos na loja por mais quase uma hora, vasculhando os álbuns, procurando promoções, ouvindo trechos de algumas músicas, e comentando quais bandas eram as melhores daquele ano. Noah tinha um ótimo gosto musical, diferente do meu irmão, que só ouvia barulho de guitarra estridente. Quando saímos da loja, segurando sacolas com pelo menos 5 discos cada, o sol já tava se pondo. Caminhamos de volta pra nossa rua, tomando picolé que pintava a língua de vermelho. Sentamos na nossa calçada por um tempo, vendo o céu mudar de rosa, pra laranja, pra rosa de novo, e por fim, pra azul escuro. Já tinha anoitecido.

Nós três conversávamos e já reclamávamos sobre as aulas, que retornavam na próxima segunda. Josh planejava levar para o baile de boas vindas a garota que ele era apaixonado desde os 6 anos: Hina Yoshihara. Falava dela como se ela fosse um anjo que o levaria às nuvens com uma só dança. Hina estudou com a gente por muito tempo, e ela era muito legal comigo, até que há uns quatro anos ela sumiu da cidade. Descobrimos que sua família mudou de volta para o Japão porque os negócios do seu bisavô precisavam de ajuda depois que ele faleceu. Acontece que há umas duas semanas, Noah viu ela no mercado, ligou pro Josh, que chorou, gritou e riu bastante. Segundo Noah, ela está muito diferente de como lembrávamos, e conversava com a sua mãe sobre o medo de voltar pra escola antiga e ninguém querer mais conversar com ela. Depois desse dia, Josh passa 24 horas falando sobre como vai convidá-la ao baile. Algo relacionado a chuva de flores de cerejeira, chocolate e uma carta com perfume.

Eu, por outro lado, nem pensei em ir nesse baile. Principalmente porque nenhum garoto daquela escola me enxerga, e segundo que quando eles me enxergam, eles apenas me ignoram. Mas eu entendo, eu também não me notaria. Noah falou que ia chamar alguém pra ir ao baile, mas antes de eu prestar atenção no nome, o pai dele o gritou na porta da casa, pedindo ajuda pra preparar a comida. Ele se levantou da calçada e correu até lá. Chegou na porta e parou por um segundo, voltando até nós e sorrindo.

- Quando você for ouvir o álbum, me chama. - ele me falou.

- Tá.

- Ok.

E voltou correndo.

Eu e Josh permanecemos na calçada por mais alguns minutos, até que voltamos pra casa e jantamos. Naquela noite, eu escutei todos os álbuns que comprei, menos The Outfield. Eu não traíria a confiança do Noah tão fácil.

Best for Last | NoalinOnde histórias criam vida. Descubra agora