26. more than words

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Por causa do período de chuvas e da nevasca que haviam se aproximado mais forte esse ano, as nossas atividades fora da escola tavam escassas. Uma onda de frio tomava conta da cidade, e eu não fazia muita coisa a não ser voltar da escola e ir direto pra baixo das minhas cobertas. As aulas na academia haviam sido interrompidas por período indeterminado por causa de um temporal na madrugada de domingo que quebrou algumas janelas das salas de aula e grande parte da telhas da garagem. Até os treinos dos times da escola tavam em hiato, o que significava que meu irmão passava mais tempo em casa comigo.

Nós tínhamos a nossa programação de nevasca pra todas as noites. Depois de estudarmos juntos à tarde, eu e meu irmão preparávamos o chocolate quente, Noah escolhia o filme e Hina arrumava os nossos colchões no chão da sala. A gente passava horas e horas daquele jeito, o que era tão aconchegante e reconfortante durante aquele período tão frio. Nós assistimos E.T., Ghostbusters, Os Goonies, O Clube dos Cinco, Footloose e até mesmo O Iluminado. Eu tava achando o máximo.

Hina dormia comigo algumas noites, mas como seus pais haviam voltado do Japão, eles a buscavam às vezes assim que os filmes acabavam. Noah ia embora um pouco antes da meia noite, e enquanto eu e Josh vigiávamos pela janela, ele saía correndo contra a chuva da neve até a sua varanda, de onde se despedia da gente com um sinal de que tava tudo ok. Em uma das nossas despedidas, eu o entreguei a mixtape. Ela já tava pronta há alguns dias, os quais eu passei me perguntando se aquilo era mesmo uma boa ideia, e se ele gostaria das músicas que selecionei. Coloquei ela num envelope amarelo e a escondi no bolso da sua jaqueta enquanto ele me abraçava no nosso tchau, assim como fazia todas as noites.

- Você colocou aquela que me mostrou? Como chama mesmo... More Than Words? - Krys me perguntava enquanto a gente almoçava na cafeteria com Di e Any no dia seguinte.

- É a primeira. - eu respondi varrendo o refeitório com os olhos. Hina e Josh se aproximavam com suas bandejas, sentando ao nosso lado na mesa.

- Alguém viu o Noah hoje? - meu irmão nos perguntou, sem nenhuma resposta. Eu tava começando a achar muito estranho, porque ele não veio com a gente na ida, e isso quase nunca acontecia.

- Não vi ele na aula de história. - Any parecia confusa também.

- Ele deve ter algum motivo pra faltar... - eu sabia que Krys já tinha percebido minha preocupação e dizia aquilo tentando me acalmar. 

Ao fim das aulas, eu fui até a academia pra conferir como tava a situação das reformas. Passei boas horas lá tentando ajudar com a limpeza das salas que haviam sido avassaladas pela nevasca dos últimos dias. Alguns dos outros professores também apareceram pra ajudar, e acabou que nós nos divertimos mais do que eu esperava. Era um pouco triste ver os estragos que a academia havia sofrido, mas eu sabia que em breve as aulas voltariam a ser como eram. Eu sentia falta dos meus alunos.

Já era fim de tarde quando eu analisei a situação do tempo e resolvi voltar pra casa andando. Afinal, não era tão longe e naquele dia a neve não tava tão forte. Coloquei meu fone de ouvido, meu capuz e em poucos minutos já tava na minha rua. Assim que me aproximei de casa, fui observando a casa de Noah, que parecia bastante silenciosa. As portas e janelas tavam fechadas, e pelo o que a neve me possibilitava de enxergar, só a janela do seu quarto tava entreaberta, o que era estranho em um dia tão frio como esse. Me inclinei mais um pouco pra ver melhor, e percebi uma coisa branca no vidro que não era neve acumulada. Era uma folha de caderno pregada, com alguma coisa escrita. Me aproximei mais ainda pra tentar ler, e assim que consegui, meu coração já tava acelerado há muito tempo. A palavra "QUINTAL" tava rabiscada com canetinha vermelha, e eu fiquei paralisada por alguns segundos. Talvez era um recado pro meu irmão, ou talvez era por qualquer outra razão. Não era pra mim... Não poderia ser. O que tava acontecendo??

A dúvida tomava conta de mim e o vento parecia cortar o meu rosto a cada segundo mais forte, e eu tentava andar sobre o caminho de cascalho entre nossas casas, que tava coberto por uma grande quantidade de neve bem espessa. Assim que ia me aproximando do fundo de casa, meu coração pulava a cada momento mais forte e mais rápido. E agora eu conseguia o ver, e ele tava mesmo ali, sentado na camada branca de neve que caía sobre as escadinhas da varanda. Ele segurava seu disk-man com uma mão, enquanto a outra amassava a neve ao seu lado, e os fones de ouvido repousavam por cima da sua touca preta de lã. Eu dei alguns passos curtos e ansiosos até parar na sua frente, e assim que me viu, ele tirou os fones, derrubando-os sobre seu pescoço e guardando o disk-man no bolso da sua jaqueta. Nós nos olhamos por alguns segundos e eu me perguntava se era por causa do frio ou por causa do nervosismo, mas eu já não sentia minhas pernas. 

- Você não foi na aula hoje. - foi tudo o que eu consegui dizer.

- Perdi a hora. - ele sorria. - Eu passei a noite acordado.

- Por quê? Aconteceu alguma coisa?

- Não. - seu sorriso tava me deixando confusa, e eu tinha mil e uma perguntas me atormentando a cada segundo. A neve caía sobre a gente, meu coração acelerava e ele me olhava incessantemente. - Por que você demorou tanto?

- Ah... Me desculpa, eu passei na academia pra ver como a reforma tá indo e pra ajudar com a limpeza e...

- Por que você demorou tanto? - ele me interrompeu, se levantando da escada e fazendo meu coração parar. Eu não sentia nada dos pés à cabeça, e eu sabia que não era por causa do frio. Ele deu dois passos, ficando tão perto de mim que eu conseguia sentir a sua temperatura e sua respiração. Eu entendia agora a sua pergunta, e ela era sobre outra coisa.

Eu sorria por dentro ao mesmo tempo em que meu corpo formigava. Ele me olhava como nunca havia me olhado antes, e aquilo fazia meu coração acelerar do jeito mais louco de todos. Ele tava me esperando, por todo esse tempo. Era injusto fazê-lo esperar mais. Antes mesmo de pensar eu me aproximei por fim, cortando todo o espaço que nos separava ali. Nossas testas se tocavam, e sua respiração agora fazia parte da minha. Suas mãos vieram até o canto do meu rosto, novamente me segurando para não cair. Ele sabia que não precisava falar mais nada, pois já tinha passado da hora. Tudo fazia muito sentido aqui dentro, como nunca antes. Era Noah, esse tempo todo. Sempre foi ele.

O seu corpo tocava o meu e mesmo sobre enormes quantidades de agasalhos eu conseguia sentí-lo de um jeito tão puro. Ele me aquecia e eu agora nem percebia mais a chuva de neve à nossa volta. Os seus lábios finalmente alcançaram os meus e tudo dentro de mim explodiu. Eu conseguia sentir as borboletas no meu estômago criando vida e correndo à mil por hora, e eu me sentia inteira... Ele se conectava à mim como um imã bem forte e eu me detestava por ter esperado tanto pra entender tudo isso. Noah era a resposta que esteve na minha frente esse tempo todo.

Best for Last | NoalinOnde histórias criam vida. Descubra agora