Capítulo 46 - A Fraqueza De Um Gigante

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Vanessa Narrando

Eu e Loretta não conversamos muito depois do que houve, confesso que por culpa minha. Estava preocupada com o amigo dela e precisava pensar em algo para ajudá-lo.

No meu quarto, sentada na cama e sentindo náuseas, devido a nossa continuidade ali, eu tentava arquitetar alguma coisa.

Vamos, Vanessa... você trabalhou aqui durante anos, tem que existir uma maneira.

Na minha cabeça, repassava-se a imagem do homem responsável por mim. Ele é uma pessoa alta, relativamente acima do peso e parece ser forte. Não tem como eu sair desse quarto e entregar os remédios ao Peter, com esse enfermeiro tão perto.

Quando, o já mencionado, veio até o quarto para me dar a medicação noturna, decidi por conta própria que a saúde e a segurança daquele garoto eram minha prioridade. Não podia pensar nas consequências, sendo que há a possibilidade de ele se machucar ainda mais.

O enfermeiro abriu a porta e entrou, sem fechá-la.

Enfermeiro - trouxe seus comprimidos - assenti, respirando fundo - toma - eu peguei o copo d'água e novamente fingi beber os comprimidos. Em vez de ingeri-los, eu simplesmente os prendi com mais firmeza entre os dedos, evitando que caíssem.

- obrigada - agradeci, o devolvendo o recipiente.

Enfermeiro - que seja. - ao tê-lo tão próximo de mim, eu hesitava em realmente fazer o que planejava. Talvez por pena, porque eu jamais seria capaz de entender a dor que isso o causaria. Mas não existe outra forma de derrubar um homem assim, a não ser atacando o seu ponto mais fraco.

Enfim, não posso sentir compaixão por alguém que está na posição que ele ocupa, então...

Eu olhei para baixo e ergui a perna direita, o chutando na virilha com toda a força que eu consegui acumular durante a minha indecisão. O estalo, o gemido, o curto grito que escapou de seus lábios de forma automática, tudo adentrou meus ouvidos muito rapidamente, me levando a ter calafrios, devido ao susto.

Eu nunca fiz isso em toda a minha vida

Enfermeiro - sua vadi*!! - exclamou com ira, pousando ambas as mãos sobre seu membro e tentando voltar ao controle de suas próprias pernas, que tremiam e perdiam força.

Eu, sem demora e surpresa comigo mesma, corri em direção à saída, segundos depois entrando no corredor.

Enfermeiro - VOLTA AQUI!! VOLTA AQUI AGORA!!! - ficou ao meu chamado, deixando os joelhos chocarem contra o chão, ainda na espera de diminuir o desconforto.

O ignorei e continuei correndo, notando que tinha os comprimidos que ele levara minutos antes, na mão que se manteve fechada o tempo todo. O problema era que eu não obtinha o suficiente, nem sabia onde Peter estava, por isso, além de ter que descobrir o seu paradeiro, precisaria ir até o quarto da Loretta.

[...]

Durante o percurso, a pessoa que tirou Charlotte do refeitório naquele dia, apareceu carregando o que, pelo barulho, se tratavam de chaves.

E se...

Loretta Narrando

A maneira como minha mãe me tratou é perfeitamente compreensível, ela se sente responsável por tudo o que está acontecendo. Mas as vezes, querendo ou não, as palavras dela machucam. Espantei tais pensamentos da minha cabeça. Estou fazendo tempestade em um copo d'água.

E como qualquer outra noite, Mark veio, me entregou os fármacos, esperou que eu "bebesse" e se retirou.

Peter Narrando

- está ficando tarde, Charlotte. Você não quer ir descansar? - perguntei ao perceber a sua exaustão.

Charlotte - não... só quando você for... - sorriu pelo canto da boca .

- Fique à vontade, eu não me importo - retribui o sorriso, mesmo que não tivesse motivos para fazê-lo.

Charlotte - não vou te deixar sozinho - seus olhos ainda estavam danificados, no entanto ela parecia não sentir tanta dor quanto antes.

- um de nós tem que ficar de guarda, enquanto o outro descansa, e você parece muito mais cansada do que eu. Pode ir, é sério - devagar, Charlotte foi a um canto e se deitou no chão.

Vê-la desse jeito é triste, a garota nem sempre foi uma pessoa agradável, entretanto ninguém merece passar por isso. Eu suspirei e me sentei direcionado à porta do porão, vigiando.

Ninguém vai entrar aqui, não comigo 100% acordado.

Loretta Narrando.

Não consegui dormir, fiquei sentada na cama fitando o teto sem saber o que fazer ou o que pensar. Minha cabeça mergulhava em devaneios, imaginando se algum dia voltaria a sentir o cheiro do mar, ouvir o barulho das aves ao redor do navio, as ondas se quebrando, assistir a espuma sobre a superfície da água...

Entretanto, repentinamente uma figura familiar passou em frente ao meu quarto, era o enfermeiro que "acompanhava" Charlotte quando eu estava na enfermaria. Mudando o rumo da minha concentração, corri até a porta e me aproximei da janela, o que me permitiu ver que ele segurava um bolo de chaves nas mãos, caminhando devagar e tranquilamente. Não dei muita importância, embora sua serenidade parecesse injusta aos olhos de quem está trancafiado como um animal. Como eu.

[...]

Porém, surpreendentemente, logo em seguida Vanessa aparece, totalmente concentrada no homem, coisa que acabou despertando a minha curiosidade.

- Vanessa... - mesmo que focada, ela me mirou.

Vanessa - xiu! - pediu, colocando o dedo indicador sobre a boca.

- o que faz aqui? - continuei a sussurrar.

Vanessa - preciso seguir ele... - parou de falar e se aproximou da minha porta - aproveitando que está acordada, me dê os remédios que você guardou... rápido! - eu assenti, ainda que confusa.

Me apressei, peguei os comprimidos e os entreguei a ela.

Vanessa - obrigada - pior do que não saber no que pensar, é ter que obedecer de maneira tão urgente algo que você não entende.

Por que minha mãe está sozinha no corredor?!.

- o que você vai fazer? - parecia com pressa.

Vanessa - estou o perdendo de vista... preciso ir - e continuou a segui-lo, sem dizer mais nada.

Vanessa Narrando

Guardando-os junto aos que peguei no meu quarto, me mantive no encalço do enfermeiro. Às vezes o homem olhava para trás desconfiado, mas eu me escondia em qualquer lugar que pudesse evitar que fosse descoberta.

Talvez, se ele estiver indo até Charlotte, eu possa encontrar o Peter.
Considerando que provavelmente os levaram ao mesmo lugar, ou a algum próximo.

Depois de caminharmos por um bom tempo, já que ele era lento e despreocupado, o vi adentrar o subsolo. O porão.

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Mar De Mármore - O Paraíso É Uma Alucinação.Onde histórias criam vida. Descubra agora