Capítulo 8 parte 2

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Meu pai pediu que eu o aguardasse na sala de espera enquanto resolvia algumas burocracias da clínica e sumiu pelos corredores do casarão. Era o final do expediente e os consultórios estavam atendendo os últimos pacientes. Sentada no sofá percebi que a secretária me olhava com cara de poucos amigos. Eu jamais pensaria que teria como desafeto uma mulher que tinha a idade para ser minha mãe.

A antiga Heloísa não deveria ser nada fácil. Pensei e segurei a vontade de rir. Mas parece que minha mínima reação fez com que o desdém daquela da secretária se tornasse sonoro. Ela bufou com escárnio.

Pronto! Isso foi o bastante para despertar em mim o que a todo instante eu evitava. Eu não deveria, mas algo me impelia a tirar satisfação com aquela mulher desagradável. A raiva me cegou e eu não importei se caso meu pai e doutor André quisessem me dopar depois do que eu estava prestes a fazer.

Levantei e dei passos decididos até a sua mesa. Aproveitei que eu estava em pé e ela sentada para intimidar.

- A senhora tem algum problema comigo? – ela levantou as sobrancelhas e não disse nada. – A senhora tem algum problema comigo? – perguntei novamente aumentando o volume da minha voz. Mas ela ainda não me respondia. Olhei para a outra secretária, que nos observava assustada e perguntei: - Você sabe qual o problema que ela tem comigo?

- Sinto muito, Heloísa. Trabalho aqui só há dois meses. – a outra secretária, que era mais jovem, disse sem graça.

- Tudo bem, Doralice. – respondi, lendo o seu crachá.

Aproveitei e li o crachá da secretária rabugenta. Inclinei, apoiei meus braços sobre a mesa e a encarei.

- Lucélia, veja bem, eu sofro de amnésia, sabendo disso? – falei num tom bastante debochado e prepotente. - Quando me contrariam não respondendo as minhas perguntas eu fico frustrada. Quando eu fico frustrada, eu surto e quando eu surto, faço as pessoas chorarem. Então, acho melhor que a senhora me conte qual é o seu problema comigo.

- Você é a pessoa mais intragável que conheço.

- Sério? Dentre todas as pessoas que a senhora conhece, eu sou a mais intragável? – ri com ironia sem deixar de encará-la. – Já vi que não conhece muita gente.

- Inconsequente e inoportuna.

- Nossa! vendo que decorou a letra i do dicionário! – escutei Doralice segurar o riso.

- É uma riquinha que faz o que quer. – ela continuou soltando seu veneno.

- Uau! Se eu fosse uma pobrinha que fizesse o que quer talvez eu seria tachada como a revolucionária, a batalhadora, não é mesmo?

- Não é só isso. Você só traz vergonha para o seu pai e seu avô, não tem respeito pelo nome da sua família. Não se importou em aparecer grávida, exibindo sua barriga naquele programa de televisão que você é jornalista e deixou que todos soubessem que a sua filha não tem pai. – Lucélia me olhava com muita raiva.

Os resquícios de deboche sumiram e passei a ficar séria após ela colocar minha filha no meio da nossa conversa. Eu era esperta o bastante para entender que ela e Pamela eram amiguinhas. Aproximei meu rosto do dela me segurando para não esmurrar a sua cara de bruxa e disse baixo:

- Tem alguém aqui que não tem medo de perder o emprego.

- Você pensa que o doutor Antônio te dará ouvidos? Há anos trabalho aqui e tenho a confiança de todos.

A velha mal-amada é espertinha, hein?, foi o que pensei. Precisei ser rápida naquela discussão de réplicas e tréplicas.

- Nossa, você tem razão! Talvez meu pai não te demita por ser uma vaca comigo. Mas do jeito que anda a tecnologia, a sua profissão será substituída por uma máquina. – corrigi minha postura e novamente nossas alturas ficaram bem diferentes. Recuperei a ironia e disse: - Hum, acho que isso já anda acontecendo. Pelo que li no panfleto, a clínica já usa o agendamento online, não é mesmo? Bem mais prático ter que lidar com o computador! Diga-se de passagem, muito mais gentil que a senhora, sua bruxa velha!

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