Os dias passaram. Já fazia um mês desde que acordei no hospital sem memória. Ainda era difícil controlar tudo que acontecia dentro da minha cabeça. As alterações de humor continuavam, mas à medida que eu convivia com meus parentes, eu ficava mais confiante e menos temerosa.Prossegui as sessões com a doutora Ângela. Até cheguei a ir ao psiquiatra duas vezes, que insistia para que eu fizesse o uso de remédios tarja preta. Recusei, mas ainda assim comecei a ser avaliada por ele periodicamente.
Nesse tempo, minha mãe voltou ao Brasil para passar duas semanas comigo. Entendi que mesmo a nossa história sendo tão peculiar e mesmo que ela não conseguisse agir de modo convencional, ela se importava comigo e com minha filha. Minha mãe demonstrava amor e era bom me sentir amada. Passei a admirar o modo como ela era feliz. Mônica irradiava alegria e isso facilitava a nossa convivência.
Mas ela teve que voltar para Nova Iorque, a cidade onde tinha residência fixa. Ela era consciente da sua atual posição no cenário da música erudita, era a única cantora lírica latina que disputava no mesmo nível que as grandes cantoras europeias e norte-americanas. Sua figura era requisitada nos grandes teatros. O peso disso era abrir mão de estar com os filhos e com a neta. Em nossa despedida, percebi em seu olhar que aquele era um de seus poucos momentos de tristeza.
Despedir foi difícil, mas não impossível de lidar, já eu tinha outras pessoas ao meu redor. Dentre elas, tia Cris e Hans. Meu primo teve uma grande importância em minha evolução. Sempre que podia estava presente e me fazendo seguir em frente.
Além de nossas caminhadas, ele me levou a uma aula particular de jiu-jitsu. A luta estimulou algo em mim que eu desconhecia. Meu corpo se lembrou de alguns movimentos e os executou quase automaticamente.
Mas nem tudo era flores. Na última semana, nossa relação ficou um pouco estremecida. Tudo porque seu telefone não parava de tocar e eu resolvi atender. Era a Pamela do outro lado da linha, e que ainda por cima aproveitou a oportunidade de falar a sós comigo para dizer o que pensava. Para ela, eu fingia ser uma amnésica só para chamar a atenção. Disse que era egoísta, minada e irresponsável. Um discursinho tão medíocre e ensaiado como o de Lucélia, a "secretária-do-mal". Seus dizeres maldosos me deram vontade de chorar, mas eu sabia que mostrar fraqueza diante do ofendedor não fazia parte da minha essência. Então rebati, dizendo que eu achava estranho uma mulher como ela, prestes a entrar na menopausa, se comportar como uma garotinha.
Hans chegou justamente na hora que eu a hostilizava. Resumindo, eu levei uma bronca por não controlar meus impulsos e ainda tive que ouvir que a doutora Pamela era uma boa pessoa. Eu não me defendi, mas o mandei ir a merda, sem nenhuma classe. Depois disso, passamos a conversar somente o necessário e isso era terrível, pois se ele já falava pouco normalmente, alterado ele era quase mudo. O pior era saber que ele só se manteve por perto nos últimos dias porque tinha dado a palavra ao meu pai.
Faltava pouco para Helena completar três meses. Ela estava cada vez mais linda e esperta. Ao longo dos dias percebi que começou a aparecer em sua pele alguns pontos avermelhados e pequenas brotoejas. Elas apareciam nas suas bochechas, nas dobras dos joelhos e cotovelos. Fiquei apavorada e tia Cris agendou uma data com uma dermatologista infantil.
Foi irônico constatar que minha vida era resumida entre idas e vindas a diversos médicos. Se não por mim mesma, por Helena.
No meio da tarde, eu aguardava tia Cris nos buscar. Pelo que eu tinha entendido, o consultório ficava num bairro distante, do outro lado da cidade. Estava tudo pronto, eu e Helena bem alimentadas, de banho tomado e prontas, à espera de minha tia.
Mas, para minha surpresa, quem apareceu foi Hans.
– Onde está sua mãe? Ela não vem?
– Teve problemas no bufê. – respondeu, pegando o bebê conforto de Helena.
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Resetar
Storie d'amoreAVISO: PARA MAIORES DE 18 ANOS - CONTEÚDO ROMÂNTICO E SENSUAL. PEÇO QUE NÃO LEIA SE ESSE TIPO DE LITERATURA NÃO LHE AGRADA. Heloísa perde a memória sem motivos aparentes. Decidida a encarar sua realidade, ela tenta se readequar a sua própria vida. E...