TIA CRIS
Deixar Heloísa sozinha por um breve momento era arriscado, mas necessário. Não seria bom que minha sobrinha presenciasse qualquer feição de surpresa quando algum médico percebesse que sua memória ainda não tinha voltado. Ainda não tínhamos certeza quanto ao que ela poderia ter. Passaram a noite realizando testes de imagens e exames de sangue em seu corpo desacordado por causa do sedativo. Ao contrário do que pensaram no primeiro momento, Heloísa não havia consumido drogas ilícitas ou se automedicado. Seu sangue estava limpo e saudável. Isso derrubou acusações injustas feitas pelo seu próprio pai, meu irmão Antônio. Um homem bom, mas que diversas vezes esperava o pior da filha caçula.
Outra possibilidade, e a mais certeira depois dos exames, era Heloísa ter sofrido uma amnésia temporária que durasse por poucas horas. Mas já haviam passado doze horas desde o primeiro surto. Eu não sou médica, mas minha família tem médicos o suficiente pra que eu entenda a importância de dar um diagnóstico preciso a um paciente. Minha sobrinha poderia estar desmemoriada, mas nem por isso perderia suas características de menina astuta. Captaria qualquer tensão, comunicação visual e fisionomia preocupada. Isso poderia gerar caos se somasse ao seu temperamento extremista. Ora bem-humorado, ora explosivo.
Me sentia à vontade em chamar para conversar o médico a frente do caso. Doutor André era próximo da nossa família, amigo de meus filhos e um excelente profissional. Meu filho Hans e meu irmão Antônio eram neurocirurgiões do mesmo hospital que Heloísa estava internada. Deixar André a frente foi uma decisão sábia de meu irmão, que há anos treinava ele e Hans.
Quando estávamos à porta, cochichei:
– Ela ainda não se lembra de nada.
– Como é que é? – Hans foi o primeiro se manifestar. Olhei para ele sabendo ler suas reações.
– Quando você saiu, comentei que resolveria a questão da água. Então ela perguntou quem era você.
– Muito estranho – disse, olhando para dentro do quarto. – Quando acordou parecia que me reconhecia.
– Você ao menos conversou com ela ou ficou encarando de cara fechada com esse seu jeitão? – perguntei, e ele não disse nada. – Foi o que pensei. É por isso que médico não pode tratar parente. Olha só no que dá! Confundem as coisas!
Olhei para André, que tentava não perder sua postura de médico, com meu jeito autoritário.
– Se essa amnésia é temporária ou não, acho melhor sermos sinceros com qualquer pergunta que ela fizer. Aquela menina merece pelo menos isso.
– Corre o risco de ela surtar como ontem. – Hans intrometeu.
– Ontem ela chegou aqui surtada porque quem a trouxe foi Antônio e Maurício. Você consegue imaginar a abordagem amável deles, não consegue? – perguntei com ironia. Meu filho assentiu com as mãos no bolso e fechando ainda mais o seu semblante. – Mas agora sou eu que estou no comando e você cooperará comigo e com sua prima.
Algumas horas antes, ainda durante a madrugada, decidi que as coisas seriam diferentes. Durante anos, tentei não interferir na criação de Heloísa. Me esforcei para ser apenas tia, mesmo que diversas vezes fracassasse e me comportasse como uma mãe. Ainda assim, não pude ser a mãe que ela precisava, e que não tinha. Fizeram muitos estragos ao longo de sua formação. Acho que os danos são reparáveis, já que a garota não tem um caráter duvidoso. O estrago estava em sua intensidade. Helô, como a chamávamos, exagerava em demonstrar o que sentia. Não tinha polidez em seu comportamento, se divertia ao extremo, ria do indevido, com seu humor inapropriado. Quando injustiçada, brigava e discutia sem mensurar as consequências.
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Resetar
RomantizmAVISO: PARA MAIORES DE 18 ANOS - CONTEÚDO ROMÂNTICO E SENSUAL. PEÇO QUE NÃO LEIA SE ESSE TIPO DE LITERATURA NÃO LHE AGRADA. Heloísa perde a memória sem motivos aparentes. Decidida a encarar sua realidade, ela tenta se readequar a sua própria vida. E...