Capítulo 15 parte 1

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TIA CRIS

A fase autodestrutiva de Heloísa não durou muito tempo, pois logo meu irmão e sua ex-mulher interferiram na situação. Eu não estava certa de que morar com a mãe seria a melhor solução para minha sobrinha. A rotina de Mônica era irregular. Ela sempre estava em algum país diferente, estrelando óperas, fazendo concertos e recitais. A verdade era que Helô continuaria sozinha, longe da atenção de alguém com mais experiência. Era triste pensar que ela prosseguiria sendo uma autodidata nos impasses da vida e por consequência cometeria erros desnecessários.

Mas o que eu poderia fazer? Mesmo a amando como se fosse minha filha, eu era apenas a tia Cris. Minhas repreensões mais severas cabiam aos meus filhos, para meus sobrinhos me restava somente dar conselhos.

Enquanto ela morou fora, conversávamos por telefone com frequência. Ela nunca fazia reclamações. Talvez não se sentisse no direito, afinal, coisas materiais sempre sobraram para ela. A garota também possuía a qualidade, – e, ao mesmo tempo, o defeito – de se sentir satisfeita com o mínimo de afeto que recebia. Lembro que uma vez tomei coragem e perguntei se ela não desejava ter um pouco mais de atenção dos próprios pais. Então, com um entendimento precoce, me respondeu serenamente:

– Eu não posso exigir mais do que eles podem me dar.

Durante meses, refleti sobre essas palavras. Eu não sabia de onde vinha tamanha compreensão. Ela simplesmente foi esperta o bastante para entender algo que alguns levam a vida inteira para aceitar e seguir em frente de maneira bem resolvida. Talvez a influência dos ensinamentos cristãos se misturasse com a filosofia do jiu-jitsu, levando a esse entendimento maior e mais nobre por parte dela.

Apesar desse seu lado ser um tanto maduro, ela não estava isenta dos embaraços da adolescência. Em parte, o surto de rebeldia nos últimos meses no Brasil havia se acalmado, mas, ainda assim, ela vivia uma desordem interior. Algo em mim me dizia que Hans tinha muito a ver com isso. Eu desconfiava que meu filho tivesse cedido à sedução descarada de Helô. As coisas entre eles haviam mudado gradual e lentamente. No começo, quando ela era criança, tudo não passava de compaixão. Hans não conseguia ignorar a garotinha que ficava na sua cola, que fazia perguntas o tempo todo e conversava pelos cotovelos. Incontáveis vezes o vi respirar fundo para não perder a paciência. Mesmo assim, ele ensinou coisas e indiretamente influenciou nos gostos pessoais da menina. A qualidade de tempo que eles tiveram juntos os fez amigos tão próximos que, aos poucos e sem se dar conta, Hans foi cedendo aos encantos da bela adolescente que Heloísa se transformou.

Por algum motivo, me vi de mãos atadas. Eu não pude interferir naquilo que nascia diante de meus olhos. A história que estava sendo construída por eles era forte demais para que terceiros interferissem.

Pude ver Hans se apaixonar antes mesmo que ele se desse conta disso.

Também vi como ele relutava em vão. Inúmeras vezes negou a realidade e não quis se responsabilizar pelo próprio sentimento. Mas aos poucos, com passos de formiga, ele ia sendo vencido. Uma hora ele se acostumaria com a ideia de amar e ser amado por Heloísa.

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Pouco mais de um ano depois, Heloísa retornou ao Brasil. Foi antes do previsto e a única informação que tive foi que a decisão partiu dela.

Senti que alguma coisa havia mudado. Pelo telefone, eu desconfiei. Pessoalmente, tive certeza que algo aconteceu durante sua estadia em Nova Iorque. Ela estava longe de ser a menina alegre e falante que estávamos acostumados.

Para piorar a situação, Hans fez questão de mostrar que estava bastante envolvido num novo relacionamento. Já havia um tempo que ele não trazia uma namorada para o convívio da família. Mesmo sendo discreto, eu sabia que meu filho preferia que seus casos fossem sem compromisso. Assim, de uma forma confortável, ele usava a desculpa de que "no momento, sua vida estava muito ocupada".

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