(ainda dentro das memórias de Heloísa)
HELOÍSA
Reerguer. Eu tinha isso em mente. Todos os dias, todas as horas, minutos e segundos. Precisei me focar, só assim conseguiria vencer a depressão e a ansiedade.
Mas nessa jornada de querer que tudo desse certo, cometi muitos erros. Algumas vezes, quando a estabilidade perdurava por mais tempo, pensei que estava curada. Tive que aprender na prática que quedas e ascensões faziam parte de um processo de autoconhecimento.
Lembrei que, certa vez, saí para me divertir com os amigos da faculdade. Eu sabia que estava proibida de ingerir bebidas alcoólicas, pois a mistura com os comprimidos poderia me fazer muito mal. Contudo, não dava para negar a minha condição: eu era uma jovem rica, ou seja, com acesso fácil a coisas e lugares requisitados. Num certo momento, senti falta de usufruir daquilo que o meu alto padrão de vida me ofereceria. Ficar dentro de casa, praticamente reclusa em função do meu tratamento, começou a me dar nos nervos.
Por que não sair e me divertir um pouco? Qual o problema em testar só um pouquinho certos limites?
Foi fácil me deixar levar pela euforia momentânea. Visto que em mim tudo sempre foi muito intenso, eu não faria diferente quando o assunto fosse festejar. Mas bastaram algumas doses, luzes piscando ao som de batidas eletrônicas e uma única dança para que o disjuntor que havia dentro da minha cabeça se desarmasse. A visão embaçou, tive tontura e confusão mental por alguns segundos. Com medo do que poderia acontecer, fui embora sem me despedir dos amigos e cheguei em casa aos tropeços. Vomitei até bile dentro do caríssimo vaso chinês que enfeitava o hall de entrada. Depois deitei no mármore frio do chão, jurando a mim mesma que eu só consumiria álcool quando meu psiquiatra liberasse.
No outro dia, não me livrei da bronca do meu pai.
– Quando finalmente seu corpo se acerta com a medicação, você me apronta uma dessas! – Disse furioso. Não dava para saber se ele gritava ou se era a dor de cabeça que me fazia sensível a qualquer som. – Eu realmente espero que tenha consumido apenas álcool!
Dentre tantos problemas e incertezas que enfrentávamos, ele tinha consigo outros receios. Um deles era que eu me desbandeirasse como anos atrás, antes da minha temporada em Nova Iorque com minha mãe.
Humildemente, falei que não havia usado drogas. Mas, uma vez que se perde a credibilidade com alguém, fica complicado trazê-la de volta. Mesmo que no passado eu apenas tivesse experimentado alguns ácidos e tragado bitucas de maconha, Antônio sempre desconfiaria de mim. Então, por causa desse episódio com o álcool, ele fechou ainda mais o cerco. Se antes eu já era fiscalizada, depois de destruir o vaso que valia mais do que um carro popular, as coisas "pioraram". Passei a ser monitorada como o pobre Winston, o famoso anti-herói do livro 1984. Fui policiada até entender que aquela seria a minha rotina por um bom tempo.
Meio comprimido para estabilizar o humor depois do café da manhã e um antipsicótico à noite. Hora fixa para dormir e acordar. Café descafeinado, evitar açúcar, beber muita água e reconhecer quando estiver precisando de ajuda.
A parte boa disso tudo foi ter meu pai por perto. Com o convívio contínuo, os assuntos saíram da superficialidade, descobri que tínhamos gostos em comum e até passamos a ter nossas próprias piadas internas. Mesmo com o seu jeitão truncado, ele não deixava de ser uma boa companhia. Tudo bem que lidar com gente carrancuda era algo que eu tirava de letra. A relação com Hans me serviu de treinamento.
Por falar no meu primo, ele me fazia muita falta. Nos vimos algumas vezes, a maioria nos encontros de família. Os almoços de domingo na casa dos nossos avós continuavam firmes. Mas, por autopreservação e vergonha, compareci em poucos. Além do mais, as vezes em que vi Hans foram.... foram... embaraçosas? Seria essa palavra que descreveria o meu sentimento com exatidão? Talvez sim, pois era triste ver a nossa intimidade regredir. Doeu cortar costumes comuns, como não poder nos comunicar através de olhares maliciosos durante o almoço dominical.
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Resetar
RomanceAVISO: PARA MAIORES DE 18 ANOS - CONTEÚDO ROMÂNTICO E SENSUAL. PEÇO QUE NÃO LEIA SE ESSE TIPO DE LITERATURA NÃO LHE AGRADA. Heloísa perde a memória sem motivos aparentes. Decidida a encarar sua realidade, ela tenta se readequar a sua própria vida. E...