Capítulo 11

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Heloísa

Era estranho que apenas uma lembrança pudesse ressuscitar em mim antigos sentimentos. Bastou apenas uma recordação para eu entender que solidão, medo e culpa me acompanharam na infância. Ao reviver o acontecimento em minha cabeça, eu não consegui aceitar as falhas da minha criação. Por isso, confrontei Antônio, sabendo que a antiga Heloísa não faria isso.

Ainda estava na metade do dia, mas eu já tinha vivido emoções fortes o suficiente para o ano inteiro. Tive que admitir para mim mesma que procurar o consolo no sexo foi uma excelente forma de encontrar o equilíbrio. Acabei me acalmando e esquecendo a tristeza.

Para me tirar daquela casa, Hans levou Helena e eu para passar a tarde na casa de nossos avós. Não estava nos planos fazer isso, mas foi o melhor jeito encontrado para apaziguar a tempestade que eu mesma havia provocado.

Sempre era interessante conversar com meu avô. Ele era cheio de assuntos e adorava contar e recontar suas histórias. Desde o do dia em que saí do hospital, ouvi inúmeras vezes como foi que seus pais, missionários americanos, se mudaram para o Brasil e como ele conheceu a minha avó.

Fiquei pensando no quanto a vida era imprevisível. Se os meus bisavós não tivessem saído do país de origem, meu pai não seria adotado pelo vô José e provavelmente a vó Margarida seria uma fazendeira em Minas Gerais. Mas o mais impressionante foi me dar conta que talvez eu e Maurício não teríamos nascido. Eu não sabia dizer qual era a minha opinião a respeito disso antes da amnésia, mas ali na casa de meus avós, eu senti gratidão.

Ainda perdida em meios aos meus devaneios, ouvi meu avô encerrar seus relatos com sua costumeira frase "É sempre bom ser feliz enquanto se planeja a felicidade".

– Vô, por que o senhor sempre diz isso? – perguntei curiosa.

– Não sou eu que digo isso. É você.

– Essa frase é minha?

– Você era criança, estava planejando sua festa de dez anos. Um piquenique no jardim da sua casa. Seu pai disse que não era uma boa ideia. Além das chuvas de novembro, tinha o fato do jardim ter custado uma fortuna. Mas você foi insistente, tentou convencer seu pai com vários argumentos.

– E eu consegui convencê-lo?

– Sim.

– E o que isso tem a ver com planejar a felicidade?

– Você disse ao seu pai que o mais legal de planejar uma festa era planejar ser feliz. Mas a verdadeira felicidade estava no antes, no durante e no depois do acontecimento. Meu filho achou graça, chegou até rir e acabou concordando com seu piquenique de aniversário no jardim.

– E eu tinha só 10 anos quando disse isso? – interroguei desacreditada.

– Não. Você tinha nove.

– Uau! Eu parecia ser uma criança profunda. – abracei a almofada. Minha versão infantil tinha acabado de me dar um grande ensinamento. – Então a felicidade começa no planejamento dela.

– Isso mesmo. – ele sorriu, sentado no sofá de frente para mim.

– Planejar ser feliz sendo feliz.

Minha avó se juntou a nós e, como uma boa mineira, nos trazia uma bandeja com café, queijo e broa de fubá. Eu já tinha percebido que vó Margarida gostava de alimentar as pessoas, pois era nosso segundo lanche daquela tarde.

No início da noite, Hans chegou com tia Cris para nos buscar. Há uma semana eu tinha conquistado o direito de não precisar passar as noites sob a vigilância de alguém. As companhias ininterruptas eram somente durante o dia. Mas, graças à minha excêntrica reação à lembrança, minha família decidiu voltar a fechar o cerco.

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