Capítulo 15 parte 3

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HELOÍSA

Eu aguardava ansiosamente a volta de Hans. Havia um limite para aguentar Lise e seu comportamento censurador. Quando chegamos no apartamento, ela ficou na sala andando de um lado para o outro enquanto mandava mensagens no telefone e dava ordens há algum funcionário de suas casas de festas infantis. Aquele era seu modus operandi. Muito diferente da mulher tímida que ela demonstrava ser. Tudo bem que timidez não é sinônimo de calmaria e compreensão. Lise era um tanto difícil quando pensava que tinha toda a razão.

Já que eu quase não tinha aproveitado dos quitutes da confeitaria, fiquei na cozinha comendo bolachas doces e tomando chá de hortelã. Helena estava em seu carrinho, resmungando e resistindo bravamente ao sono.

Ao ouvir o barulho de chave girando no trinco, rapidamente me levantei e fui para a sala. Não via a hora de minha prima ir embora e levar consigo a carga pesada que ela havia trazido.

Hans terminava de trancar a porta quando nossos olhos se encontraram. Ele sorriu dando poucos passos até a minha direção, depois se encurvou e, sem se importar com a presença de Lise, me beijou longamente nos lábios. Nas pontas dos pés me agarrei a sua jaqueta sentindo seus braços envolvendo o meu corpo. Ao terminarmos nosso cumprimento caloroso, voltamos a nos encarar. Não me contive e acabei sorrindo diante do seu rosto tão bonito.

– Oi.

– Oi. – devolvi o cumprimento.

– Como foi sua tarde?

– Foi cheia de saudade de você. – falei para que Lise escutasse. O sorriso de Hans cresceu e eu fiquei ainda mais apertada em seus braços.

– Onde está Helena?

Antes que eu pudesse responder, ouvimos um chorinho manhoso vindo da cozinha. Hans riu e se afastou, seguindo o som da minha filha. Fui logo atrás, não querendo perder o encontro deles.

– Oi, minha Galeguinha. – ele disse, lavando as mãos na pia. – Está cansada de ficar nesse carrinho, não é mesmo? Já vou te tirar daí.

O choro de Helena foi diminuindo à medida que Hans falava. Encostei no batente da porta observando a interação deles. Quando ele a pegou nos braços, uma gargalhada bem gostosa saiu da boca da minha bebê.

A sensação de participar daquele momento era dolorosamente emocionante. Meu coração parecia se retorcer, a passagem de ar pela garganta ficou estreita e meus olhos se encheram de lágrimas.

– Espero estar enganada. – a voz de Lise soou baixa ao meu lado.

Limpei rapidamente as poucas lágrimas que derramaram e desfiz o sorriso. Não queria Lise vendo minha vulnerabilidade.

– Posso ter deixado uma má impressão, mas desejo que vocês se acertem. – ela concluiu sua fala.

Não demorou muito para que minha prima fosse embora. Na verdade, era bom ser só eu, Hans e Helena de novo. Por mais que eu não quisesse saber onde nossa relação nos levaria, eu não poderia fugir do sentimento de satisfação ao ter Hans conosco, nos resguardando.

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Um novo pesadelo acontecia. Eu tentava a todo custo gritar com o meu oponente. O esforço era descomunal, mas a minha voz insistia em sair baixa, quase inaudível.

Eu discutia com um homem cujo rosto era ocultado por causa da escuridão. Ele se aproximava e tentava arrancar a bolsa que estava em meus ombros.

– Me dá esse telefone! – vociferou.

– Não tem nada no meu telefone! – falei dando passos para trás enquanto ele caminhava na minha direção.

– Me entrega agora!

– Me deixa em paz, seu verme! – me esforcei para gritar. Foi então que percebi que estávamos em cima de uma ponte.

– Não enquanto eu não tiver o vídeo!

– Você acha que eu deixaria o vídeo num lugar tão óbvio?

– Me entrega logo!

Ele apressou os passos, mas fui mais rápida ao colocar a mão dentro da bolsa e tirar de lá o objeto que ele tanto queria.

– É isso que você quer? – minha voz conseguiu sair um pouco mais alta. – Então vá pegar!

Sem receios, lancei o telefone no rio escuro pelo breu da noite. Estávamos numa área bastante urbana, mas naquele horário havia pouquíssimos carros no trânsito.

– Sua vagabundinha! Eu vou acabar com você! Tenho poder pra isso! Tenho poder para acabar com aqueles que você ama!

– Cala a boca, seu maldito! – fechei os olhos, tendo os ombros sacudidos por ele. – Cala a boca, seu verme maldito!

Abri os olhos e vi o rosto assustado de Hans. Imediatamente me sentei inspirando todo o ar que eu conseguia.

– Calma. Foi um pesadelo. Você começou a se debater e sussurrar palavras desconexas. – ele falou e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. – Agora respire, fique tranquila. Vou pegar um copo d'água para você.

– Não. – pedi baixo, segurando seu braço ao perceber sua intenção de se levantar da cama.

Eu sabia que eu não deveria me acostumar com sua presteza. Eu não deveria depender tanto dele emocionalmente. Mas acontece que aquele não era um bom momento para ele se afastar. A voz do pesadelo ainda gritava dentro da minha cabeça. Tudo parecia ter sido tão real que a sensação era como a de uma lembrança ruim.

Me movi e sentei no colo de Hans. Escondi meu rosto na curva de seu pescoço. Ele não disse nada, apenas me abrigou em seus braços. Tentei acalmar meus pensamentos. Quando me senti um pouco melhor, comecei a falar:

– Ontem, ao longo da manhã, me lembrei de boa parte da minha adolescência. – levantei meu rosto para encará-lo. – Hans.... eu agi tão errado com você...

– Deixa isso pra lá. – ele me interrompeu, mostrando que não se importava com essa parte do nosso passado.

– Fui imprudente demais. Principalmente depois que você foi passar suas férias na Dinamarca. Fiz coisas terríveis.... eu...

– Esquece isso, menina. – ele falou, acariciando meu rosto.

– Não dá, Hans. Não medi esforços para te seduzir. Você foi vítima de abuso psicológico e de assédio. – ele riu com o que eu tinha acabado de dizer. – Não é pra rir, isso é sério!

– Se você quiser, pode me assediar de novo. Eu vou gostar.

– Hans.... – deitei em seus ombros desistindo de ter aquela conversa.

– Foi com isso que você sonhou?

– Não.

– Quer falar sobre o pesadelo?

– Agora não.

– Tudo bem. – ele continuou com suas carícias em minha pele.

– Hans....

– Fala, menina.

– Você importaria se a Helena dormisse aqui com a gente essa noite? – perguntei, levantando a cabeça para olhar seu rosto.

– De jeito nenhum. – ele respondeu com leveza. – Eu pego ela lá.

Saí de seu colo e ele foi até o quarto de hóspedes. Não demorou muito para que ele trouxesse minha bebê enrolada numa manta e a colocasse em nosso meio.

Admirando o rostinho da minha filha percebi que seu sono era profundo. Não resisti e beijei sua testa sentindo o cheiro gostoso de sua cabeleira tão rala.
Ali entre nós, Helena estava segura e eu sabia que nada ruim poderia nos acontecer.

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