Capítulo 23 parte 2

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Esse lindo desenho no topo do capítulo é da Daiane_Gomes97 (além de escrever, ela desenha muita bem). Amei a Helô e o Hans aos olhos dela.
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O link abaixo é de uma canção que serviu de inspiração para escrever o finalzinho deste capítulo. (Artista: Har Mar Superstar. Música: Don't Erase)




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(ainda dentro das memórias de Helô)

HELOÍSA



Uma alma doente é capaz de oprimir e sobrecarregar aqueles que estão ao redor.

Dessa vez, Hans não foi o problema. O grande empecilho era outro.

Por mais que eu escondesse de todos o meu quadro depressivo e tentasse resolvê-lo à minha maneira, uma hora a dor interna se tornava externa e visível àqueles que conviviam comigo. Era só prestar um pouco de atenção para notar que muitas Heloísas moravam em mim.

Apesar de ter pessoas a minha volta, Hans foi o único que viu tudo de perto e enxergou além do que eu mesma poderia ver. Muitas vezes ele sugeriu que eu tivesse um acompanhamento profissional. Obviamente eu negava, dizia que era bobagem e que logo ficaria bem. Contudo, eu sabia que estava doente, só não conseguia verbalizar esse fato. A ideia de me submeter a ajuda de terceiros era insuportável. O orgulho me fazia pensar que eu seria autossuficiente nessa batalha tão desigual.

Aconteceu que apenas força de vontade não foi o bastante para me manter sã. No convívio com meu primo, minhas facetas se escancararam de vez. Foi involuntário, pois não estava em meus planos expor os meus lixos emocionais justamente quando ele se mostrava aberto para a nossa relação. Mas ele aprendeu a lidar com minhas oscilações de humor. Suas palavras e seu comportamento eram certeiros para me estabilizar. Isso acontecia por um conjunto de fatores, pois, além de me conhecer muito bem, ele era um pesquisador da mente humana.

Em meio ao retorno da minha memória, cenas aleatórias dessa época despontavam de relance. Houve finais de semana em que eu chegava em seu apartamento e tudo que eu queria era silêncio. Eu costumava passar horas deitada na cama do quarto de hóspedes, enumerando motivos incentivadores para não perder a esperança na vida. Hans não invadia o meu espaço, o máximo que fazia era andar pelo corredor e dar uma espiada no cômodo. Outras vezes, quando os meus pensamentos me sufocavam, eu entorpecia a minha mente nos seus videogames. The Last of Us se tornou o meu jogo preferido. Matar zumbis era um bom remédio para dias raivosos.

Entretanto, nada superava os momentos em que eu precisava ser tocada por ele. Hans era o meu cúmplice, entendedor dos meus medos e aquele que me reeducava. Foi dentro da nossa intimidade sexual que aprendi a dizer com clareza o que eu queria e o que não queria. A maneira como fazíamos sexo nunca foi uma fuga, pelo contrário, o ato em si servia para me desafiar e curar uma parte das minhas emoções depredadas.

Meses se arrastaram e fui me levando assim; entre dias bons e maus. Vivi fases produtivas, algumas eufóricas. Sentia que era invencível. Em seguida, eu sofria quedas bruscas. A dor da alma tão brutal irradiava em meus ossos e em minha carne. Eu pensava que seria o meu fim. Mas, de uma forma inexplicável, eu conseguia me reerguer e dizia para mim mesma que aquela seria a última vez.

Quanta dor eu poderia ter evitado se houvesse em mim o mínimo de humildade!

Minha teimosia não só me desgastava como também desgastava a pessoa a quem eu deveria dar amor. O fardo ficou sobre os ombros de Hans. Isso durou até certo dia, quando cheguei em seu apartamento visivelmente desorientada. Mais cedo, eu quase tinha quebrado o braço de um colega de faculdade. Motivos eu tive, mas a forma como me comportei me assustou. O indivíduo em questão era um sujeito odioso. Ele era evasivo, insinuador e cheio de toques quando conversava com uma mulher. Estávamos numa aula de fotojornalismo quando ele chegou por trás, dando a famosa "encoxada", com a desculpa de analisar as minhas fotografias. O golpe foi certeiro. Ele gritou de dor e eu gritei de raiva. Tudo foi muito rápido. Chutei suas costas, ele foi ao chão, fiz ameaças verbais eloquentes e, por fim, quebrei uma cadeira ao arremessá-la contra a parede. Toda a turma assistiu meu acesso de fúria, ninguém me acusou porque eu era a vítima. Mas algo muito errado estava acontecendo comigo.

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