Capítulo 26

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(ainda dentro das memórias de Helô)

HELOÍSA


Fui a vilã da minha própria história e perdi Hans para mim mesma. Essa era a verdade. O tempo todo ele se mostrou disposto a ficar comigo, estava aprendendo a nos aceitar no seu ritmo e eu consegui estragar tudo! Minha instabilidade emocional desgastou o pouco eu que tinha conquistado.

Ao me dar conta disso, atravessei o meu quarto a passos largos. Fui para a varanda, segurei no ferro do parapeito e respirei fundo. Tentei recuperar o autocontrole, foi em vão. Eu já estava muito descompensada.

Gritei alto.

Minha voz ecoou pelo jardim.

Gritei outra vez.

A garganta e o peito doeram. Mas eu ainda estava agitada. Minha raiva era tão grande que não sabia para onde direcioná-la. Voltei para o quarto em busca de um alvo. Um abajur de porcelana foi lançado contra a parede, seguido pelo porta-retrato e outros objetos menores. O som de vidros se estilhaçando era prazeroso. Por essa razão, senti que precisava de mais, gritar e quebrar coisas até o inferno sair de mim.

Ao chegar diante da minha escrivaninha, avistei minha máquina fotográfica e meu notebook. Rugi como um animal diante daqueles objetos. Se eu os destruísse, a comprovação da minha maior vergonha seria apagada. Talvez assim eu me libertaria de todo o mal.

Ou talvez não.

Não dava para atribuir uma doença que poderia ser genética a um trauma do passado. Ou dava? Eu não sabia! Tudo era muito confuso! Mas a verdade era que se o meu corpo tivesse uma predisposição à depressão, destruir o vídeo que estava dentro do meu notebook não seria a solução dos meus problemas. Pelo contrário, eu corria o risco de sofrer ainda mais.

Independentemente de estar condenada a carregar alguma doença psiquiátrica ou não, covardia não combinava comigo. Há quatro anos eu guardava a prova do tormento que vivi em Nova Iorque. Há quatro anos eu esperava a hora certa para me sentir vingada.

Fechei o notebook e o abracei junto ao meu corpo. Comecei a andar de um lado para outro. Vi rastros de sangue no chão do quarto, eram os meus pés. Os cacos de porcelana estavam por toda a parte. A adrenalina não permitia que eu sentisse dor. Mesmo assim, eu gritei continuamente até meu pai e Julieta aparecerem. Eles estavam pálidos, muito assustados.

Logo atrás, um dos seguranças da guarita entrou no meu quarto. Ele conseguiu tirar o notebook das minhas mãos enquanto meu pai me abraçava por trás.

– Vamos te dar um remédio e você ficará bem. – Sua voz me acalmou.

Não havia um método específico para fazer um doente ceder ao calmante durante o surto. Mas em meio aos meus delírios, o comportamento de Antônio foi o mais preciso possível.

Cedi ao comprimido. Em seguida, Julieta levou um copo com água à minha boca. O abraço apertado de meu pai e seus dizeres foram me tranquilizando aos poucos.

Depois disso, tudo se apagou.

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Tentei me mover, mas a cabeça parecia pesar uma tonelada. Eu odiava os efeitos colaterais que os calmantes causavam em mim.

Abri os olhos sem saber onde estava. Mesmo com a visão turva, fiz um esforço para identificar o lugar. O dossel de madeira escura mostrava que aquele era o quarto do meu pai. Respirei fundo, puxei o ar pelo nariz e o soltei pela boca até o mal-estar diminuir. Lentamente, direcionei o olhar para o lado e encontrei meu pai sentado numa poltrona. Isso me lembrou de meses atrás, quando acordei no quarto de Hans após um surto.

Saber que momentos como aquele estava se repetindo em minha vida era vergonhoso. Depois de tanto lutar, eu não me sentia uma vencedora e sim uma fracassada. O sentimento de derrota era tão amargo quanto as pílulas que eu ingeria diariamente. Para piorar a situação, Antônio me encarava como Hans: sério, apreensivo e triste.

– Eu.... – Comecei a falar, mas minha língua estava dormente.

– Descanse, minha filha.

Minha filha.

Algo apertou bem no fundo do meu peito, porque era raro eu ser chamada de "minha filha" por ele.

Lágrimas escorreram do meu rosto quando pisquei. Desviei o olhar e consegui mover um pouco a cabeça. Percebi que eu estava parcialmente coberta por uma manta. Ao puxá-la para proteger meus braços, um dos meus pés foi exposto. Havia uma faixa enrolada nele.

– O corte não foi profundo, não se preocupe. – Disse meu pai.

Voltei a olhar para ele. Dali para frente seríamos só nós dois naquela batalha. Não que nossos parentes e amigos tivessem nos abandonado, não era isso. Mas cada um tinha a sua vida, seus próprios problemas. Talvez a tia Cris estivesse mais presente se não fosse o jeito reservado de meu pai, mas eu não poderia reclamar, pois eu sabia que minha querida tia fazia o que estava ao seu alcance.

– Sou a soma de todas as coisas ruins. – Falei baixo e com dificuldade.

– O quê?

– Doutor Armando disse que posso ter uma doença genética. – Ao perceber que minha fala estava nítida, continuei: – Minha avó de sangue.... uma mulher brilhante, mas louca. Essa é a única informação que tenho dela.

Meu pai conseguiu deixar o seu semblante ainda mais fechado.

– A mulher que me trouxe ao mundo vivia em condições inferiores à sua. Não se compare a ela, Heloísa.

– Mas não é só isso. Eu sou idêntica à minha mãe. Tanto no físico quanto na personalidade.

– O que você está querendo dizer com isso?

– Eu sou uma compilação de todas as coisas que te incomodam. Se eu fosse o senhor, eu também preferiria o Maurício.

Suspirei enquanto sentia a sonolência aumentar. Se meu pai disse algo em seguida, eu não me lembrava, pois adormeci imediatamente. Num certo momento, sem ter noção de quanto tempo havia passado, abri os olhos e, com a visão turva, vi Antônio me cobrindo com uma coberta maior.

– Me perdoa. Eu quero melhorar e vou lutar por isso. – Murmurei. – Vou ficar tão saudável que você terá um puta dum orgulho de mim.

Terminei de falar fechando as minhas pálpebras outra vez.

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Olá pessoal,

no topo do capítulo é uma música que marcou a minha adolescência. Acho que tem tudo a ver com esse momento da vida de Helô. (Banda: Epica - Música: Run For a Fall)

Estou pensando em postar o penúltimo capítulo amanhã. Ele está prontinho. O que acham?

Naty

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