Perigo e Desejo

209 24 11
                                    

Com os olhos fixos na tela à minha frente, analiso, pela milésima vez, as fotos de Amelia enviadas para a S.H.I.E.L.D., há semanas, junto com o recado claro para mim. Mergulhado em pensamentos, demoro a ser despertado por um bater rítmico na porta do laboratório. Quando ergo o olhar, lá está ela, do outro lado do vidro, encarando-me com uma urgência tangível.

Pego de surpresa, sinto uma súbita aceleração em meu pulso. Abaixo a tela do notebook a fim de manter a ameaça que paira sobre Amelia em segredo; enquanto ela, sem qualquer cerimônia, empurra a porta, mergulha no ambiente e joga a bolsa numa cadeira perto da entrada.

— Posso falar com você? Tem um minuto? Ou você só atende com hora marcada, Doutor? — despeja, afiada feito uma navalha e com um olhar fulminante em minha direção.

— Você está com raiva — constato, um tanto zonzo e acuado.

— Pra sua sorte, mais confusa do que com raiva — pontua de maneira incisiva. — Por que diabos você fugiu de mim o dia inteiro, Bruce?

Sinto meu rosto ficar quente; com certeza devido ao rubor de vergonha que se abate sobre mim, como uma criança que é pega no pulo.

Meu primeiro instinto é contornar a situação, alegar que não foi bem assim que me comportei ou culpar uma enxaqueca fictícia para ter passado o dia inteiro recluso e distante. Porém, antes que eu formule a primeira palavra de alguma desculpa esfarrapada do tipo, Amelia se antecipa:

— Por favor, não minta. Eu era especialista em me esconder de visitas inconvenientes e parentes chatos quando criança, não subestime a minha inteligência negando o óbvio.

Demoro alguns instantes para assimilar o seu argumento e apenas um segundo para tomar uma decisão importante e surpreendente. Ela está certa, afinal. Para que mentir? Amelia merece minha sinceridade. Se eu posso ser franco sobre algum ponto dessa história, por que não ser?

Além disso, percebo que estou cansado de me enganar e também mereço ser honesto comigo mesmo. É libertador abandonar a postura defensiva e fechada que geralmente mantenho ao meu redor. Arriscando-me de peito aberto, respondo:

— Tudo bem, eu não farei isso. Mas, antes de qualquer coisa, eu não te vejo como uma visita inconveniente. Na verdade, é justamente o contrário. Se eu pudesse, não sairia de perto de você.

Noto que ela engole em seco, um tanto surpresa. Acho que esperava que eu desconversasse ou negasse de pé junto, apesar de ter me pedido franqueza.

Confesso que vê-la ligeiramente desnorteada pelo meu impensado e sútil flerte faz um calor surgir dentro de mim. Quando percebo, estou esboçando um discreto e satisfeito sorriso em sua direção. É tão bom estar em sua companhia. Perigosamente bom. No fundo, também estou surpreso por ter dito em voz alta o que acabei de verbalizar.

— Então... por que você passou o dia inteiro enfurnado aqui? Por que eu tenho a impressão que você estava me evitando? — Ela cruza os braços e desvia o olhar por um momento, soando incerta.

— Porque... — Procuro a resposta dentro de mim. Encontro-a. Mais uma vez, decido ir direto ao ponto: — Você disse que só queria a minha amizade. E, honestamente, eu não sei se consigo ficar perto de você sabendo que é isso o que espera de mim.

Dessa vez, fico ainda mais surpreso com as minhas palavras e o significado insinuante que carregam. Como eu pude negar por tanto tempo? E aonde estou com a cabeça para abrir o jogo como se não houvesse consequências? Como se quem eu sou sob a superfície não vá magoar ou prejudicar Amelia eventualmente? Ainda assim, apesar dos riscos, não sou capaz de voltar atrás em nada do que eu disse até aqui.

A Bela, o Outro Cara & EuOnde histórias criam vida. Descubra agora