Esperança

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Acho que nunca vi Amelia tão chocada quanto agora. E ela tem toda razão de estar. Acabamos de presenciar um maldito assassinato. Um filho doentio puxou o gatilho sem pestanejar e selou para sempre o destino da mãe que o manipulou por tanto tempo. Nenhum de nós previu que algo tão monstruoso aconteceria e justamente por isso, por um longo momento, nada mais me parece real.

Mas infelizmente é real.

Percebo algo perturbador no semblante de Amelia quando a observo melhor. Na maneira como o seu olhar oscila sem rumo e em como as lágrimas surgem. Silenciosas e fartas, sem alarde, tremores ou soluços. Simplesmente uma reação mecânica do corpo paralisado pela cena assombrosa.

Para piorar a situação, Philip abandona a frieza que vinha sustentando ao atirar em Nadia e parece despertar de um estado de torpor. Ele esfrega a mão na nuca, a seringa com a Epinefrina Gama reluz perigosamente em meio à iluminação artificial.

Como se tivesse perdido as forças de repente, Philip abre os dedos trêmulos e a seringa encontra o chão com um ruído cortante. A ampola de vidro se rompe em cacos, espalhando o líquido verde próximo às pernas inertes da mãe dele.

— Não — Sterns murmura, a voz estranhamente engasgada. — Não, não... O que eu fiz? Isso não está acontecendo. Não pode estar. — Ele se inclina sobre Nadia e espalma seu rosto, entrando em desespero ao se dar conta do que fez. — Mãe, acorda... Mãe? MÃE! NÃO! Eu não queria... Ah, mãe, eu não queria...

Desengonçado e trêmulo, Sterns puxa Nadia para os seus braços, aninhando o corpo sem vigor junto ao peito. Então ele chora. De dor, de raiva, de arrependimento, de loucura, uma mistura violenta de tudo. Os ombros sacudindo em meio à convulsão de lágrimas desenfreadas.

E algo nessa cena faz Amelia despertar também. A voz soa baixa, mas profundamente sincera:

— Sinto muito.

E tal como começou a chorar, Philip cessa as lágrimas. É como um botão de ligar e desligar. O sujeito é mesmo desequilibrado. Um louco. Algo me diz que era melhor Amelia ter permanecido em silêncio.

Provando que esse mau pressentimento faz sentido, Sterns ergue o olhar na direção dela e articula entredentes:

— Você não devia ter dito aquelas coisas horríveis da minha mãe, Amy. Não devia. Olha o que me obrigou a fazer. OLHA O QUE VOCÊ FEZ!

O grito potente e rouco parece estremecer as paredes à nossa volta. Amelia se retrai numa reação natural, talvez pressentindo o perigo que me deixa em alerta também e muito preocupado com ela.

— Eu não podia imaginar que você fosse...

— Cala a boca! — Sterns corta o que ela tentou dizer e, com um movimento brusco, ergue-se do chão, abandonando a mãe de qualquer jeito aos seus pés. — Ela me enganou, eu sei, mas eu estava feliz por não saber! Eu a amava! Éramos uma família! Você estragou tudo! Sua maldita! — Ele anda de um lado para o outro, feito um bicho enjaulado e ferido, as mãos esfregando o rosto, os dedos mergulhando nos cabelos cada vez mais desgrenhados. — Agora o que me resta, hum? O que me resta?!

Philip encara Amelia demoradamente. O perigo cresce, tornando-se uma quarta presença no cativeiro.

Não estou gostando do rumo das coisas. Não estou gostando nenhum pouco. E gosto menos ainda quando ele resolve vencer a distância e caminha com brutalidade até a mulher que amo tanto.

— Afaste-se dela, Sterns. — Tento me livrar das travas. Continuo tentando, mesmo sabendo que é inútil sem a força do Hulk ao meu favor. — Droga! Fica longe dela! Sterns!

— Agora só me resta equilibrar a balança e acabar com você de uma vez — ele mesmo responde, a voz carregada de fatalismo, a cabeça levemente inclinada para o lado. — Eu queria que fosse o Hulk, mas agora? Nada me dará mais prazer do que encerrar essa página por mim mesmo. E pela minha mãe que está morta por sua causa. Não é justo?

A Bela, o Outro Cara & EuOnde histórias criam vida. Descubra agora