Conversa definitiva

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A água morna escorre pelas minhas costas em direção ao piso branco do banheiro, aliviando parte da dor ainda presente no meu corpo. É como se eu tivesse levado uma surra de um oponente muito mais forte do que eu. De certa forma, foi exatamente o que houve.

O processo de transformação no Hulk sempre me deixa dolorido. Some-se a isso o peso insuportável da culpa na minha consciência e qualquer um irá perceber que eu já tive dias melhores. Em resumo, a água faz um excelente trabalho ao lavar meu corpo, mas é completamente inútil em relação à culpa que me tortura. Embora limpo por fora, continuo sujo por dentro.

A sequência de ataques orquestrada para me atingir, mas que atingiu pessoas inocentes. O rastro de destruição espalhado por um Hulk mais descontrolado do que nunca. Os civis que se feriram durante momentos de pânico. Aqueles que perderam suas vidas em meio ao caos semeado por um inimigo que é apenas meu e não tive capacidade de identificar a tempo. A culpa que sinto sendo potencializada pela vergonha e sensação de fracasso absoluto. A dor emocional num nível insuportável que faz o desconforto físico parecer insignificante.

Fecho os olhos e tento esvaziar a mente. Mas o resultado é um novo fracasso. Vejo Amelia entrando na cela que Tony construiu a meu pedido. O braço ferido e imobilizado impedindo que ela me abraçasse por completo. O curativo em sua testa chamando minha atenção mais do que qualquer outra coisa. A constatação de que ela se feriu por minha causa e que isso pode se repetir caso continue ao meu lado daqui pra frente.

No meio do meu caos, Amelia conseguiu a façanha de acalmar o Hulk e convencê-lo a abaixar a guarda. Ela trouxe luz à escuridão na qual eu estava mergulhado. Sua voz e seu toque através da parede da cela me despertaram e mostraram o caminho. Pude sentir a sua conexão especial com o Hulk e, simultaneamente, senti minha conexão com ela ganhar força também. Essa conexão foi mais forte do que a teimosia do Hulk em continuar no controle. Essa conexão me puxou de volta, me lançou à superfície, me arrancou do pesadelo em que eu estava preso e devolveu o volante às minhas mãos. E então eu voltei a ser Bruce Banner. Por causa de Amelia.

Outro tipo de culpa me consome ao ponderar tudo isso. Eu nem sequer agradeci por ela não ter desistido de mim, por ter me ajudado a retomar a consciência mesmo sem ter a menor noção de como fazê-lo, por ter mostrado mais determinação do que o Outro Cara estava esperando.

A verdade é que não lhe disse uma palavra sequer desde que deixamos o calabouço para trás. Mal consegui olhar em seus olhos quando Tony e ela me ajudaram a entrar no elevador. Pior, ainda lhe devo uma explicação completa sobre o meu retorno e o pouco que eu e a S.H.I.E.L.D. concluímos sobre meu inimigo até agora. Amelia tem direito de saber afinal e eu já tinha me convencido disso naquele café, quando fomos brutalmente interrompidos pela primeira bomba.

Desligo o chuveiro, ciente de que, por pior que eu esteja me sentindo agora, não posso adiar essa conversa com Amelia. Uma conversa esclarecedora, franca e definitiva sobre como meu inimigo ainda desconhecido pode nos afetar e também sobre o Hulk.

Enquanto me seco com a toalha, lanço um olhar furtivo para o que restou da minha calça. A peça esticada e rasgada por ele repousa amontoada no chão úmido do banheiro. Incomodado, desvio o olhar desse símbolo mínimo da capacidade destrutiva que reside em mim. Uma capacidade adormecida agora, mas que sempre será a minha sombra e um problema entre mim e Amelia.

Quando deixo meu quarto minutos depois, ainda não sei como vou iniciar essa conversa com ela. Tudo o que sei e torno a repetir em silêncio é que não posso mais adiar. Devo isso a ela e a mim mesmo.

No lado oposto do corredor, vejo Tony caminhando na minha direção ao mesmo tempo em que encerra uma chamada no celular. Ele tira o moderno fone do ouvido e o guarda no bolso da calça ao parar diante de mim.

A Bela, o Outro Cara & EuOnde histórias criam vida. Descubra agora