Cartas na mesa

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Não vou dar a Bruce o gostinho de me ver abalada por sua causa. Não posso fazer isso comigo. Preciso me esforçar de verdade para relevar a sua partida e, principalmente, o seu retorno.

Claro que não vou deixar que Bruce interprete minha súbita civilidade como se as suas atitudes não tivessem me magoado, como se eu tivesse esquecido tudo de uma hora para outra. Irei apenas sair um pouco da defensiva e ouvir o que ele tem a dizer. Ser superior, como meu irmão aconselhou sabiamente.

Sem saber exatamente como iniciar a conversa, mas ciente de que o silêncio embaraçoso que se instalou precisa ser rompido logo, ofereço:

— Chocolate?

— Não, obrigado. — Bruce contrai os ombros. Olha para um canto qualquer da sala.

— Água? Café? Chá? Suco? Refrigerante? Um drink, talvez? — enumero, falando rápido demais por ainda estar tensa com a situação.

Um sorriso tímido surge em seu rosto, mas ele logo disfarça. É como se soubesse que está pisando em ovos aqui e que é melhor não abusar do meu rompante de gentileza.

— Não, obrigado — dispensa de novo. Então faz uma pausa, franze o cenho e recorda: — Cara de tonto?

Comprimo os lábios por um segundo, a fim de conter a vontade de rir que surge ao também me lembrar de como me referi a ele há pouco. Arqueio as sobrancelhas e me justifico:

— Você bem que mereceu. E eu não disse nenhuma mentira, convenhamos.

Estou prestes a dizer que acho sua cara de tonto algo bem fofo na verdade, mas desisto ao perceber que isso ultrapassaria o conceito de ser superior e entraria no território perigoso do flerte. Então, limpo a garganta e recomeço de um jeito mais sério:

— O que você está fazendo aqui, Bruce?

— Você desapareceu — ele responde, como se isso justificasse sua presença no meio da minha sala. — O dia inteiro.

Estreito o olhar, realmente sem entender o que está acontecendo, e replico:

— Eu avisei ao Tony que tiraria uma folga por hoje.

— Eu sei — é tudo o que o Vingador a poucos passos de mim diz em resposta.

Tenho um estalo enquanto analiso algo em sua expressão. Algo que ele parece lutar para conter, mas que está lá irremediavelmente. Posso estar sendo convencida, mas acho que matei a charada.

— Você ficou preocupado comigo?

Bruce não responde. Apenas me encara. Resignado. O silêncio falando por si só.

Sentindo-me mais à vontade e, de fato, superior, decido terminar com a nossa distância e caminho até ele. Paro na sua frente e cruzo os braços. Concentro-me no seu olhar por um bom tempo e juro que noto uma nuance de nervosismo nas retinas.

— Desculpe, mas eu estou um pouco confusa. Você vai embora, volta depois de um ano inteiro, não me diz nada, nem pensa em me procurar, e então aparece aqui todo trabalhado no instinto protetor? Que diabo é isso?

Ele engole em seco. Parece tenso. Meu orgulho feminino diz que é devido a nossa proximidade física. No fundo, também fico nervosa, ansiosa, sei lá.

— Tem um mundo perigoso lá fora, Amelia.

Sorrio diante do seu argumento ingênuo e rebato:

— Eu sou bem grandinha, Bruce. Sei me defender também. Inclusive, fiz algumas aulas de krav maga há uns meses. Tenho certeza que vou lembrar dos golpes numa emergência.

A Bela, o Outro Cara & EuOnde histórias criam vida. Descubra agora