"Chega uma hora em que tomamos consciência de que os nossos pais não podem se salvar nem nos salvar, que todo mundo é arrastado pelas ondas para o fundo do mar - para onde, em suma, todos nós iremos."
O desespero de ver Abbie naquele chão tomou conta de mim como nunca antes. O meu corpo inteiro tremia e pela minha cabeça passava mil coisas. Eu dei dois passos rápidos em direção ao box, mas voltei com receio. Receio do que? Merda, eu tinha que tirar Abbie de lá.
Corri até ela, desligando a ducha e segurando Abbie em meus braços. Ela estava mole e gelada, mesmo com a água quente que caia em seu corpo. A segurei firme em meus braços, andando com ela até o quarto e a colocando na cama.
- Abbie - murmurei, mexendo em seu rosto. Sua boca estava roxa. - ABBIE MEU AMOR, POR FAVOR, ME RESPONDE!
Ela continuava desacordada. Levei meu dedo até seu pescoço, podendo sentir os seus batimentos. Ela não havia morrido, estava apenas desmaiada. Encostei minha cabeça em seu peito, logo, voltando a fita-la:
- ABBIE! - comecei a chama-la mais alto, dando leves tapas em seu rosto. - ABBIE PELO AMOR DE DEUS!
Eu me sentia totalmente desamparado, com medo, sem respostas e sem ação. Eu não sabia se continuava ali ou telefonava pra alguma ajuda. Eu sentia vontade de chorar, o desespero me invadia, que merda estava acontecendo, meu Deus?
Abbie resmungou, ainda de olhos fechados. Eu segurei os seus braços, e, quando os meus olhos bateram em seu pulso, eu senti um caroço se formar na minha garganta, e meus olhos se encherem de lágrimas. Tanto o seu pulso direito quanto o seu pulso esquerdo estavam rasgados, com cortes, Abbie estava se auto-mutilando. Cicatrizes de todos os jeitos e lados, e todas pareciam recentes por não estarem cicatrizadas.
- Justin? - Abbie me chamou. Ela me fitava confusa, enquanto as lágrimas invadiam o meu rosto. - Justin, o que... - ela parou de falar, fechando os olhos e resmungando de dor de cabeça ou algo do tipo. Os meus olhos voltaram ao seus pulsos, eu não conseguia acreditar que isso estava acontecendo.
- Eu preciso te levar para o hospital - falei, sentindo Abbie me fitar.
- Não... Justin, por favor, não...
- Abbie, eu preciso! Isso... não pode continuar assim.
-- Eu só desmaiei Justin, a minha pressão caiu, eu comi demais...
Eu me levantei da cama, começando a andar pelo quarto de um lado para o outro. Ela continuava a me esconder? Ela não havia percebido que eu tinha visto seu pulso.
- Não foi só isso, Abbie! Você mesma diz: não é só isso - repeti a frase de quando ela surtou na cozinha, então, ela me olhou de olhos arregalados. Eu andei em passos rápidos até ela, segurando seus pulsos e esfregando frente a seu rosto. - VOCÊ ESTÁ VENDO QUE NÃO É PRESSÃO BAIXA? QUE NÃO É VOCÊ TER COMIDO MUITO? Não é a porra de um simples desmaio. VOCÊ ESTÁ SE AUTO-MUTILANDO.
Seus olhos se inundaram de lágrimas, e ela se encolheu toda. Se encolheu, abaixando o olhar e começando a chorar.
- Nós éramos um casal de jogo aberto, Abbie. Você não me conta mais o que está acontecendo, e eu... eu preciso saber. Eu estou disposto a te ajudar, nem que isso tenha que custar tudo o que um dia eu já conquistei. Não está sendo fácil, você não sabe como está sendo difícil, e eu sei que pra você também deve ser, mas eu não sei mais o que esperar de você... um dia você surta, outro você tem comportamentos estranhos e segundos depois vem dizendo que me ama, e agora... além de desmaiar, eu acabo de descobrir que você está inteira cortada. Que diabos está acontecendo, Abbie Liesel? Eu não vou perguntar onde foi parar aquela garota que eu conheci em uma boate, pois sei que as pessoas mudam, a vida, as consequências, tudo nos faz mudar, uma vez fraco, outra vez forte. Mas eu quero jogo aberto aqui! Já passamos de todos os limites, eu não me reconheço nessa casa, eu não... te reconheço mais - as lágrimas caiam sob o meu rosto, mas não era capaz de embaçar a minha visão e eu podia ver Abbie chorando também. - Eu já passei por tantas coisas, Abbie. Você mais do que ninguém sabe disso. Já fui preso, já me senti depressivo, já tomei remédio controlado, eu já quis me matar. Mas eu não tinha ninguém, meus pais estavam longe, meu produtor resolveu produzir outras bandas, e meus amigos... - ri fraco. - Eu não podia contar com eles. Mas você pode contar comigo, merda, eu digo isso sempre a você, mas não é isso que está acontecendo - fui até ela, ajoelhando na cama a sua frente. - O que está acontecendo, pelo amor de Deus?
- Eu... eu não posso ser internada, Justin - ela disse em lágrimas. - Eu prometo que vou melhorar, que vou parar, mas por favor... não me interna. É a única coisa que eu te peço.
- É para o seu bem, Abbie. A reabilitação não seria algo ruim, até porque eu não sei o que você tem, nós poderíamos descobrir... você receberia consulta psicológica, psiquiátrica, médico de todos os tipos e ficaria em um ambiente diferente. Essa casa te deixa depressiva? A gente pode se mudar!
Enquanto eu falava, Abbie balançava a cabeça negativamente.
- Não é nada disso Justin, sou eu - ela disse em lágrimas. - EU SOU FRACA! Eu sou idiota, eu...
- Amor, calma! - eu disse, tentando também manter a calma. Suspirei fundo, limpando as minhas lágrimas. - Eu não quero te deixar pior, eu não quero te afundar, não quero que você enlouqueça ou ache que está ficando louca, eu só quero te ajudar, só quero... te salvar.
- Mas e se você não for o bastante pra isso? - assim que Abbie me fez aquela pergunta, eu senti uma dor muito forte no meu peito. Pisquei algumas vezes, sentindo um gosto amargo na boca. Então, eu assenti.
- É... - foi a única coisa que eu consegui dizer.
- Você é bom demais pra mim, Justin. Você me capturou de uma boate, eu era... aquela garota suja que se vendia todas as noites, e você um homem que ganha por um talento. Está vendo a diferença?
- Não há diferença nenhuma, Abbie. Eu tive descontrole, você teve, somos seres humanos e nos desequilibramos, independente da classe social, raça, ou de qual profissão resolvemos seguir. Estamos destinados a cair. A única coisa que eu queria era poder te ajudar, mesmo que eu não seja o bastante, mas eu queria... na época em que eu precisei, ter alguém pra isso. Estou fazendo por você o que acho certo, e o que eu acharia bom pra mim.
- Eu sou tão ingrata - ela murmurou, então, eu estiquei meu braço, limpando as suas lágrimas.
- Não fale assim - eu disse, me levantando e andando até o closet, entrando no mesmo e pegando uma manta, logo, voltando para a cama e cobrindo Abbie. Me sentei ao seu lado. - Você quer conversar?
Ela me fitou, a sua boca já havia pegado uma certa cor, e, dava pra ver alguns cortes em seus lábios.
- A internação seria a única solução, mesmo? - ela perguntou, e eu podia sentir pela sua voz o quão desapontada por ela já saber a resposta.
- Abbie, nós já optamos por remédios, e até mesmo por terapias... melhorou por um tempo, mas houve regressões. Nós podemos ligar para a Doutora Mendez.
- Eu estou usando drogas, Justin...
Quando ela disse aquilo, eu arregalei os meus olhos.
- Dro... drogas como? - perguntei, sentindo o caroço se formar na minha garganta mais uma vez.
Abbie abaixou a cabeça, parecendo envergonhada por aquela confissão. Eu não conseguia dizer nada, nem pedir que ela continuasse a me explicar. O meu coração batia tão forte, mas naquele instante eu desejei que ele parasse de bater. O silêncio se propagou no ambiente por longos e demorados segundos, até Abbie corta-lo, começando a contar:
- Você se lembra quando eu pedi pra fumar maconha com você? Eu queria... enganar meu vício pela cocaína e alucinógenos. Mas não deu certo, eu... - ela deu uma pausa, diminuindo a voz como se alguém além de nós fosse capaz de ouvir - estou começando a ter alucinações por conta disso. Eu achei por um momento que eu fosse curar meus medos, mas... eu ouço passos. Quando você dorme, eu ouço como se alguém estivesse subindo as escadas prestes a me pegar. Lembra da noite que fumamos maconha? Você me encontrou na porta do estúdio? - eu assenti, mesmo incrédulo com tudo. - Eu vi você dentro daquele estúdio tocando, e de repente você aparece do meu lado. Eu estou com medo de toda a situação, eu sinto medo de estar sozinha, quando você se aproximou de mim hoje na cozinha eu pensei... que você fosse fazer alguma coisa comigo. Eu sinto... medo de tudo, Justin - as lágrimas voltaram a cair, e, vendo Abbie confessar aquelas coisas, eu não consegui segurar as minhas também.
Tudo fazia sentido. O meu coração estava tão apertado. Eu queria que isso fosse tudo um jogo e aquela a ultima fase. Meu Deus.
- Fale alguma coisa, Justin! - ela suplicou no meio das lágrimas.
Eu levantei a minha cabeça, fitando-a. Meus olhos ardiam por conta das lágrimas e eu balancei a cabeça negativamente, soltando um suspiro.
- Nós precisamos te internar, Abbie. Eu não posso te ver afundar desta forma.

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Peacock
FanfictionTodas as minhas palavras estão escritas em sinais, você é o caminho que me leva para casa. Veja as chamas dentro dos meus olhos, elas queimam tanto. Talvez eu seja uma luz, querida. Nessa noite eu quero me apaixonar, eu quero fazer você confiar em m...