Eu e a Fera

Capítulo 26

— Eu sei, Mary. Que você vai ficar a noite toda. Mas seria bom para o pai ver todos os filhos juntos pela...

— Pela última vez — ela completou, calculista até.

— Por favor, é importante. Ele ta muito fraco — senti minha voz começando a sumir na ligação.

— Assim que o Damon chegar, você me liga. Não chora, Anna. Se você chorar, não vai parar mais. O pai precisa de você.

Respirei engolindo o choro, ela estava certa. Eu não podia desabar naquele momento, eu teria que guardar as lágrimas que insistiam por descer para quando eu estivesse sozinha.

— Ta bom, chega logo — disse ainda fungando e apertei o botão de desligar a chamada.

"Está livre para ficar... Mas também está livre para voltar, quando você quiser. Estarei te esperando"

As palavras de Adam sempre voltavam quando eu me distraía. Sempre que eu olhava para uma das paredes brancas do hospital o que era a cada momento, essas palavras se repetiam e repetiam e repetiam. O cabelo ferrugem, os olhos esmeraldas, o tom de sua voz e até o jeito de olhar para mim também me perseguiam.

Tudo estava parcialmente nublado na minha cabeça. Nada era sólido o bastante e isso me assustava. Era como se tudo estivesse em falso e a qualquer momento eu iria cair.

Sentei em um dos bancos da recepção, esperando Andrew ter o tempo necessário dele com o papai.
Nos últimos anos fomos uma família bem inconstante. Meus irmãos nos visitavam anualmente com exceção de Filipe e Cristal, até Mary que morava na mesma cidade era meio difícil de ela ir sem ser de festividades, como aniversários, páscoa ou natal.

Sabia que papai não aguentaria por muito tempo. Logo, meus irmãos voltariam para as suas casas e suas vidas e novas famílias. Basicamente, eu tinha duas opções:

1) Morar sozinha numa casa velha e gigantesca, sem nenhum suporte;

2) Voltar para mansão.

De qualquer maneira, Adam ainda era o meu tutor. Ele era legalmente o responsável por mim. Não seria inteligente morar sozinha em Aurora, Filipe logo seria chamado novamente pelo exército, eu ficaria a deriva.

Afinal, eu não precisava ficar para sempre na mansão. Ainda me mudaria para Denver se eu quisesse.

— Bela?

Uma voz masculina me despertou novamente.

— Damon. Que bom que conseguiu chegar — eu disse, levantando para abraçá-lo. — Estava com saudades. Papai está no quarto 271, pode ir, ele quer ver vocês.

Vi Damon se afastar, e acabei por notar que minha perna nua estava molhada pelo copo de água que estava escorrendo e eu não tinha sentido até o momento. Peguei alguns guardanapos que estavam ao lado do bebedouro.

Alguma coisa deixou algo dentro de Adam em certo estado de coma. Esperando que algo ou alguém acorde esse lado. Ou pelo menos, algo dentro de mim queria acreditar nisso do que aceitar que ele fosse um completo babaca. Babaca ou não, ele era o meu tutor. E não dava para fugir disso.

Decidi subir para encontrar com papai, Andrew e Damon, me parecia melhor do que ficar ali sendo torturada por pensamentos em relação a Adam.

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Mary chegou uns vinte minutos depois que me lembrei de ligar avisando que Damon já havia chegado, minutos depois chegaram Cristal e Filipe. E enfim, todos os irmãos estavam reunidos ao redor da cama de papai. Meu pai chorou umas três vezes enquanto todos estavam presentes.

— Quero que todos prometam que vão cuidar uns dos outros. Vocês todos são muito individualistas, acabei por terminar de criar vocês assim. Sua mãe não, sua mãe estava criando vocês bem, mas fui eu que estraguei — ele disse com os olhos marejados. — Prometam.

— Eu prometo — Mary foi a primeira a falar.

— Pai, sabe que eu não moro... — Damon tentou dizer.

— Prometa — Papai suplicou.

— Ta bom, eu prometo. — Damon se rendeu ao último pedido do pai como uma criança emburrada.

— Prometo — Filipe disse.

— Eu prometo, pai — Cristal quase interrompeu Filipe.

— Eu também — Andrew prometeu.

— Só falta você, Bela — Meu pai me lembrou.

— Eu prometo — eu afirmei sorrindo sem mostrar os dentes para papai.

— Logo, logo — ele tossiu forte — eu não estarei mais aqui. E vocês só terão vocês mesmo. Por favor, se visitem, se liguem, se amem. Vocês são irmãos.

— Todo mundo prometeu, pai. Nós vamos cumprir por você e pela mamãe — Mary confirmou. — Eu sou a mais velha e vou puxar a orelha quem não vir no dia de ações de graça — ela disse sorrindo derramando lágrimas que a molharam inteira.

Todos os meus irmãos se debulhavam em lágrimas, e todos eles estavam embaçados pelas minhas lágrimas.

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Ainda naquela noite, meu pai se foi. Mary em prantos me acordou às 02h42min, dando a notícia mais triste que alguém poderia receber. Estávamos todos, menos Mary, na casa de meu pai. E eu soube na hora que não podia continuar ali, eu teria que retornar para a mansão. Teria que voltar para Adam. As lembranças de tudo estavam registradas nas paredes daquela casa. Para onde quer que eu olhasse via meus pais. Antes já era difícil sem mamãe, mas sem papai também eu não suportaria.

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