Lembranças

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— Me desculpa.

— Pelo que? Pela merda que disse ontem sobre vingança, por ter voltado fingindo que nada aconteceu? Por desaparecer por quinze anos fodendo a minha vida?

Franzi o seno.

— Eu não fodi sua vida, suas decisões foram suas cara.

— Você é... — ele ia me xingar eu sabia que queria — Inacreditável — ele disse prosaicamente tossindo um riso sarcástico.

— Eu só queria que ficassemos tranquilos saca? Sem essa de me amar cara, eu não sabia que você era...

— Ah, homens com sentimentos são gays? Homens que se apaixonam por outros homens são gays também? É talvez eu seja... Mas que se foda... Talvez eu só... Tenha sentido algo por alguem tão filho da puta como você.

— Cara, você é como um irmão saca? Eu... Sei lá só vamos esquecer isso ficar numa boa.

Ele passou a ponta dos dedos de modo pensativo sobre seu bigode até a lateral da boca abrindo a mesma.
Ele ia falar algo?
Talvez ele fosse falar, fico o olhando ele da meia volta como se seus pés estivessem em um pedestal giratório.
Vai embora?
Não, ele volta a me encarar, ele queria ir mas tava engasgado. Entalado para cuspir pedras.

— Ficar numa boa? Ta legal... vamos ficar numa boa quando você estiver bem longe... Quando você entender que nem meu pai, nem ninguém do clube tem culpa da morte do seu pai.

— Seu pai sabia! — grito ficando nervoso — ele sabia que meu pai morreria e não fez nada, pois colocou aquela merda de clube em primeiro lugar.

— Foi uma divida que seu pai criou!

— Por conta do clube, culpa do clube.

— Vai se foder Dan, você não entendeu? Ele morreu, está morto, o que você vai ganhar destruindo algo que seu pai amava mais que tudo, ele morreu mas ele também nos livrou!

— Vai chama-lo de Jesus agora? "Morreu por nós."

— Quer saber eu cansei, cansei desse papo, só some de nossas vidas ninguém precisa de alguem tão amargurado e cheio de receios aqui, ninguém precisa de alguem que só traz sofrimento por andar carregando ele, ninguém quer você! — ele falou de modo duro. — Seu pai, pelo menos fazia coisas boas e morreu tentando.

E há anos que eu não chorava, tentei engolir as lagrimas mas elas deram um nó na garganta, ele se virou para ir, dessa vez ele iria, mas eu funguei a lagrima e ele parou de andar em direção ao carro, se ele me olhasse com aquele olhar descrente de novo eu choraria eu sabia.
E tentei evitar o olhar frustrado dele, mas foi mais voraz do que os meus.
Passei a mão tentando enxugar o nariz que também parecia se encher de lágrimas.
Quando as lágrimas não são o suficiente para descer pelos olhos elas escorrem pelo nariz, e era isso o que eu tentava esconder, mas não deu, meus olhos marejados vazaram, e eu me virei apenas para ele não ver e também ir embora.
Ele ficou parado, me olhando com um olhar arrependido e penoso.

Senti mãos tocarem meus ombros e me virei o mais rápido ao senti-las, era o que eu queria, meu amigo de volta, o abracei rápido, e agarrei seu colete perto do colarinho chorando em teu ombro feito um Bebezão e ele me abraçou forte enquanto eu chorava implorando desculpas e perdão.
Eu não sabia o que estava fazendo.
Nem quem era eu.
Nem o que era eu.
Nem por que voltei.
Uma enchurrada de lembranças da realidade me fez lembrar de como eu senti falta, de tudo, eu não odiava tudo, eu sentia falta de tudo.
Senti falta do clube.
Das estrelas no teto do quarto.
Do carinho fraternal das pessoas.
Do Rick, do meu melhor amigo.

Eu chorei talvez por 5 minutos até cansar.
Ele me chacolhou.
Quieto.

— Sei de algo que vai te fazer ficar legal, como nos velhos tempo.

Ele estendeu as mãos, de inicio fiquei inseguro de pegar elas.
Foda-se segurei sua mão sem perguntas o que, ou onde iriamos, eu confiava nele.

Ele me puxou até sua moto me dando um capacete e eu sentei logo atrás enquanto ele avançou com a mesma.
E seguimos, eu com aquela roupa de dormir que eu sabia que era dele, só me dei conta quando já estávamos na avenida, mas eu não sabia para onde estávamos indo, penso que talvez ele não deva me levar em algum lugar publico, seria uma vergonha aparecer de moletom em uma padaria, por exemplo.
Mas ele segue uma estrada de barro com arvores agora.
E eu lembro daquela estrada, está diferente mas eu lembro, tusso um riso nervoso.

— Não acredito — digo em seu ouvido gritando para que ele pudesse ouvir atravez do barulho do motor — serio isso?!

Ele apenas balança a cabeça.
A estrada se afinou mais, e logo andávamos com a moto entre as arvores.
Eu sabia onde estava indo, e não acreditava.
Quinze anos depois serio?

Amores & MotoresOnde histórias criam vida. Descubra agora