Suas vontades

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Naquela manhã quando o sol invadiu as janelas vazando pelas cortinas eu acordei sentindo que eu estava livre de algo. Triste e leve, triste por ter tocado naquele assunto tão temido na noite passada.

Rick estava sentado na beira da cama, apoiando a cabeça em sua mão. Parecia estar pensando.

— E ae — resmunguei quase como um gemido matutino

Meus olhos pareciam mais cansados que o normal e talvez até mais molhados.

— Você resmungou a noite toda.

— Merda. Te fiz ficar sem dormir?

— Fez mas não foi pelos resmungos... Fiquei pensando em você. Mas tirei alguns cochilos. — ele me olhou daquele jeito...

Como quando você briga com alguém e esse alguém lhe pede desculpas e se sente responsável pelo erro.
Estiquei meu braço até e ele, e ele segurou minha mão dando um leve sorriso.
Ele estava triste.
E eu estava triste.

— Quer sair comigo?

— Seria legal.

— Eu você e minha filhota...

Assenti com a cabeça me espreguiçando.
Era cedo muito cedo, e era um final de semana, ninguém acordaria essa hora.
Toquei com a ponta dos dedos em suas costas e ele deu um pulinho de leve ao sentir meus dedos.
Em seguida ele se deitou e olhamos para o teto branco gesso juntos.

— Perdemos muito tempo não foi Rick, ficamos velhos.

— Temos trinta anos com cara de vinte e tres Dan, não estamos velhos...

— Podiamos ter vivido coisas incriveis

— Ainda podemos Dan. — ele disse de modo sereno.

Respiramos fundo.

— Eu gosto de você cara.

— Pode dizer que me ama — ele retrucou

— O que? Não, não... Eu só... —  ele virou a cabeça me olhando e eu o olhei.

Que dom ele tinha em me fazer mudar de ideia?
Tossi um riso e ele também.

— Talvez, ta-talvez um pouquinho.

Ele riu.
Eu ri.

— Eu acho que eu sempre amei você — ele me disse com um olhar preocupado.

— Não sei se eu... Sei lá sabe? Essa parada de ser... "Diferente", não sei se me conforta.

— Bom, eu descobri que ser hetero é um saco, sabe essa parada de você não poder sei la se expressar, ter de ser sempre durão, isso as vezes... Machuca. — ele deu uma pausa — E parece que para você fazer parte dessa tipo de pessoa, você deve fazer piadas bobas, pegar na merda do seu saco e balançar...

Comecei a rir o interrompendo.

— Falar de carros e mulheres o tempo todo, e olhar para todas que passam. E ter uma lista de perder as contas de quantas ja transou como se elas fossem objetos, e entra ano e sai ano e a categoria Heterossexual nunca muda é sempre os mesmos testes ou as mesmas coisas.

— Teste?

— É... As vezes acho que um bando de homens nus nos vestiários estão se testando para não ficarem duros. Eles conversam olhando reto, ou para um ponto fixo, mas nunca para o pau um do outro ou para o corpo, parecem ter medo sei la...

— É uma boa linha de raciocinio —  falei rindo.

Ficamos em silencio por um longo tempo.

— Como você soube que era?

— Ah não existe isso de saber o que é como se fosse uma grande descoberta. Daniel ninguém vai te conhecer melhor do que você mesmo.

— Desde quando Ricardo se tornou tão filosófico?

Falei o encarando feio como se eu o estranhasse.

— Vamos devolva meu amigo lesado e tapado. — completei

Ele riu

— Maíra me fazia ler... O tempo todo, ela falava que queria um marido intelectual.

Houve uma breve pausa e quebrei o silencio:

— Você a traiu? Para se descobrir sei lá...

— Não, mas chegou um tempo que tudo se esfriou e percebos que éramos amigos... Amigos casados. Então sei la, ela me dava um "vale"... Podia sair com outras pessoas, e cara, eu saia com homens. Eu contava para ela depois.

— E como tiveram a Manu?

Ele riu.

— Estavamos bebadod e cara eu estava tão carente. Só queria um buraco qualquer para meter meu cassete dentro.

Eu comecei a rir sem parar.
Dei um murro de leve em seu ombro.

— Meu deus eu consigo imaginar isso — falei rindo — você é podre

— O pior foi que ela teve uma cãibra na perna enquanto me dava —  ele riu. — Maíra não tinha tesão em mim nem eu nela, não como no início e aquele dia, não sei explicar estavamos bebendo, e falando sobre os nossos melhores sexos com outros e do nada aconteceu, na mesa de bilhar do moto clube... Aí nove meses depois veio o presentão. — ele deu uma pausa leve — Acho que queriamos bater nosso recorde do melhor sexo.

— Maíra sempre foi muito louca né...

— Mas ela era apaixonada por ti... E eu também. Acho que a gente só se uniu por saudade de você. Ela sabia que eu sentia sua falta, as vezes ficavamos vendo fotos suas...as antigas. Se ela estivesse viva acho que eu ia ter de mata-la para poder ficar contigo. 

Eu ri, ele também.
Se aproximou do meu corpo me aninhando em seu braço.

— Ficar comigo... — Falei baixinho — O que os outros pensariam?

Ele deu os ombros.

— Chega uma hora na vida que os outros são só os outros, eles podem falar, mas nunca vão viver sua felicidade, nunca vão saber o gosto que ela tem, então minha unica preocupação seria saber se você se sentiria feliz estando comigo. Digo como um casal sabe? Quero cuidar de você, e de todo o resto.

Era estranho pensar a respeito.
Ao mesmo tempo que era estranho fazia sentido, afinal, qual o sentido em ser quem você é se você não puder ser quem quer ser, e só o que os outros querem ver?
No final, a vida de todos chegará ao final e ficara esperando sua felicidade chegar? Ou esperando que as pessoas falam para entender que sua felicidade esta em si mesmo?
Merda eu tinha que viver isso Rick e eu éramos melhores amigos e acho que nos dariamos bem mesmo que essa ideia me parecesse descabida.
Não que fosse descabido, mas homens são treinados a entender que o amor é quase nulo e que é apenas um sentimento descartável. Oh, se todos os homens se ouvissem, se todos eles souberem que sentir é algo bonito, que estar com quem ama é algo que realmente importa, que não vestir camisetas que a sociedade espera que você vista é menos importante do que querer ser quem você é, em que mundo estaríamos vivendo se todos tivessem a consciência que suas vontades são só suas e que as dos outros são só a dos outros, e não querer executar as vontades alheias pode ser uma vontade sua?

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