Cicatrizes

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Os dias seguiram em um fio tenuoso e confuso, Rick e eu brincavamos de gato e rato, eu fugia dele sempre que possivel, mesmo estando na mesma casa.
As vezes dava sorte ele tinha muitos a fazeres com o moto clube, e eu estava começando a me ingressar de novo naquele fim de mundo. Mas eu tinha um proposito, eu iria encontrar o assassino do meu pai.

Em uma noite fria, fria o suficiente para bater os dentes durante a madrugada perdida em ausencia de sono levanto-me. Nunca me retiro do quarto até o amanhecer, mas eu estava com sede, levanto enrolado no cobertor que mais parecia uma manta fofa e felpuda.
Pé ante pé caminho pelo corredor silenciosamente, mesmo de meia a madeira do piso da casa parece muito mais fria, sinto a boca secar mediante a sede que me parece insaciável que eu sentia.
Vou a cozinha, abro o armário devagar e o rangido do mesmo parece alto no silêncio solene da madrugada, pego qualquer copo que a mão alcança, não tenho tempo de ver ou escolher. Reflexos luminosos das luzes de LED dos aparelhos iluminam a cozinha em um azul marinho, o relógio do micro-ondas marca 3:12 da madrugada. Encho o copo de água no filtro consigo enxergar bem com todas as luzes que surgia ali dos aparelhos da cozinha moderna de Tatá. Escuto um pequeno estalo, quando caminhamos as vezes no silêncio é possível escutar nossos ossos de articulaçoes estalar de leve, creio que tenha sido isso.

Rick esta parado me fitando na porta de entrada da cozinha. Está descalço, sem camisa, apenas de ceroula.

— Tá muito frio, vai pegar um resfriado assim... — falo baixinho e ele não diz nada — O que esta fazendo acordado?

— Perdi o sono, vim beber água.

Será que é isso ou ele me escutou? Ou eu o acordei?
Encho o copo e estendo para ele.
Ele pega o mesmo.
Tiro minha coberta dos ombros e entrego a ele.

— Aqui! Se enrola nela ta muito frio.

— Deixa de ser besta desde quando se preocupa com isso. Não estou com frio.

Vou mais para perto e penduro a coberta como uma toalha em seus ombros tatuados e nus.
Ele se senta na banqueta da ilha da cozinha. E eu fico o observando, eu sei o motivo de eu perder o sono: a ansiedade em terminar tudo logo e ir embora.
Eu nunca perguntei a Rick e acho que agora podia ser um bom momento ja que estavamos nos evitando.

— Ricardo... Acha que você poderia me ajudar?

— No que? — ele disse torcendo a sobrancelha

Engulo os labios pensando na forma como me olha e ja prevendo a resposta.

— Meu pai... — ele bufa um suspiro — Sabe eu quero realmente descobrir o que aconteceu ,eu queria o endereço sei la de alguém além do Sr. Ju.

— Daniel, por que não esquece isso? Sério você pode recomeçar sua vida, sei la, arrumar alguem legal, trabalhar com a gente.

— Trabalhar fazendo coisas ilegais Rick? Isso não é trabalho.

Ele virou os olhos bufando novamente e se levantou.
Colocou a coberta em cima da banqueta e saiu, como se eu não estivesse ali, ignorando-me.
Segui segurando seu braço após pegar a coberta, estavamos no corredor.

— Ei! — sussurrou como se eu gritasse.

Ele olhou para minha mão em seu braço e depois nos fundos dos meus olhos me intimidado. "Ta me tocando por que?" Creio que ele disse isso mentalmente e eu o soltei.
Ele negou com a cabeça.

— Você é um babaca — sussurrei enquanto ele ja ia saindo novamente — Eu jurava que a gente tinha se entendido, mas isso não é verdade né? Você nunca vai me perdoar.

Ele paralisou e se virou me olhando.

— Me diz como? Me diz como perdoar alguém que continua tentando desenterrar o passado? Você não está aqui por nós, está por você, por alguém que se foi... É inacreditável.

— Rick, Rick! — falei em desespero tocando seu rosto com as mãos suplicando — Vê se me entende cara! Por favor.

Ficamos nos encarando por alguns segundos. Ele parecia estar perdendo a paciência, negou a cabeça novamente cerrou os labios bufando mais uma vez.

— As vezes tenho pena de você.

— Deve ser por que tudo foi muito fácil para você, você sempre teve uma familia, uma mãe e um pai, e você nunca teve um abandono materno nem a morte do seu pai, nunca teve de conviver com um alguém que te agredia diariamente e apagava o cigarro em sua pe...

— Agredir diariamente? Do que você está falando? Cigarro? Qual foi irmão?

Por um momento me senti um invejoso mas eu não tinha inveja dele. Foi só o modo de se expressar.
Minhas escolhas erradas fez tudo dar errado.
Eu segurei meu próprio braço o acariciando, e ele puxou meu braço para si.

— Essas marcas foram feitas com cigarros? — ele perguntou tocando as cicatrizes redondas pequenas ainda permanente em minha pele. — O que aconteceu com você? Onde você esteve de verdade esse tempo todo?

Cicatrizes são assim, as mais profundas podem passar-se anos ainda serão visíveis.

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