Um homem em meu sofá

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Agno Fabrizzi Campbell.

Ano de 2004.

Brasil, Rio de Janeiro.

08:17:30 PM.

Sentado sobre a beira de um lago, observava meus pés balançarem a calma água; o sol estava presente quando cheguei no local, mas depois das horas terem passado, a chuva certamente viria. Os ventos revoltosos balançavam as folhas das árvores enquanto eu observava a cena com um olhar desanimado, a linda paisagem diante dos meus olhos apenas deixava-me triste, não via sentido na vida.
Abaixei a cabeça para olhar meu relógio e suspirei ao ver que já passava das cinco horas da tarde, logicamente teria que ir para casa. Assim que chegasse, teria de lidar com meu quarto vazio de calor humano, era somente eu e os livros, os livros e eu.
Voltei minha atenção ao balançar de meus pálidos pés, quando repentinamente senti uma gota d'água esbarrar em meu ombro despido, estava sem minha camisa, havia retirado e jogado longe; escurecia e eu tinha em mente que não adiantaria procurar por ela naquele momento. Minha mãe costumava pedir para não molhar meus pés e nem ficar com o tronco visível quando ventava, mal sabia ela que eu era rebelde no momento; ultimamente os seus conselhos estavam perdendo a força, mesmo sabendo que iria ter problemas no futuro, apenas fazia. O verdadeiro motivo de todo aquele vazio nem eu mesmo entendia, era difícil me entender, ninguém era capaz de me decifrar, já estava saturado disso. Um buraco em meu peito havia se formado, e para ser sincero, não estava presente quando aconteceu, apenas levava minha pequena mão até o peitoral e apertava o local, como se pudesse esmagar meu coração.
Algumas pessoas entravam na minha vida, outras saíam, e eu continuava reagindo da mesma maneira, com a feição devastada, aliás, com o tempo o costume viria. Estava cansado do cotidiano, cansado de ir e vir, cansado de sorrir, cansado de dar satisfações. Realmente estava exausto de tudo aquilo, a morte bem que poderia me acolher de uma vez, como se fosse um bom amigo, a fim de consolar-me. Minha feição era desconhecida, não esboçava nenhuma reação, muito menos emoção, apenas olhava para o nada com o olhar vazio.
As nuvens cinzentas faziam canções umas para as outras, se esbarravam e estremeciam a terra, eu assistia tudo, na beira de um pequeno lago, sozinho. Em um piscar de olhos, já chovia bastante e eu precisava voltar para casa. Meus pais não gostavam quando me viam na chuva, pois ficava doente, e segundo minha mãe, era feito de cristal. Quando decidi voltar para casa, antes de me levantar, olhei para o céu e fechei meus olhos permitindo que as grossas e pesadas gotas caíssem sobre meu delicado rosto. Permaneci aproveitando a diferenciada carícia da natureza como desejava antes. Não abria a boca, mas podia sentir o gosto da chuva, o cheiro, a textura. Experiência fascinante. Ao abrir os olhos tempos depois de ter conferido o horário, percebi que a noite estava presente, eu nem se quer conseguia mais enxergar meus pés debaixo d'água.
A lua estava sobre meus olhos e eu suspirava pesado, não sentia e nem desejava nada. Nada além de acabar com todo aquele tédio. Finalmente então reuni minhas forças e me levantei, passei os dedos sobre meus úmidos fios de cabelo a fim de penteá-los para trás e corri. Meus pés descalços tocavam o chão de forma bruta, a alta grama arranhava minhas pernas como se tivessem unhas, havia lama em meus dedos, mas lavaria depois. Assim que avistei minha residência de longe, parava aos poucos de correr e passei a observá-la, era separada por três andares: os cômodos comuns de recepção, os quartos, e por último o porão. Sabia tudo sobre cada canto da casa, nas férias escolares costumava perambular por todo o local buscando algo que fosse de meu interesse, mas nada era capaz de prender minha atenção, minha vida realmente era deprimente e tediosa naquela época do ano.
Suspirei caminhando lentamente até minha mãe que me esperava um pouco atrás da entrada, para não se molhar. Lancei um olhar carente para a senhora que me recebeu de braços abertos, prontos para me dar um abraço caloroso, tal qual sempre aquecia meu peito. Era óbvio que ela estava preocupada comigo, mas nada do que fizesse poderia preencher aquele vazio que se alastrou em meu peito, era inevitável, me fazia feliz, mas não do jeito que eu achava merecer.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora