Estávamos tão perto

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Acordei novamente com a luz do sol atravessando meu pálido rosto, abria os olhos com dificuldade e me convencia a sentar-me sobre o colchão. Was não estava em sua cama ao meu lado, não mais perturbava, não mais puxava assunto, não estava ali. Foi então no momento de sua ausência que percebi, o que mais temia iria acontecer, Was me faria falta. Sempre pensei que quando fosse embora, tudo voltaria ao normal, viveria bem outra vez. Mas estatísticas me provavam o contrário. Em um estalar de dedos veio em minha mente a cena de sua despedida, Was sorria docemente e acenava antes de entrar no táxi. Não sabia por quanto tempo ficaria conosco e a qualquer momento poderia partir; tive pavor em vê-lo ir, horrível em apenas pensamentos. Estava em prantos com as mãos sobre o rosto, não fazia ideia de como, mas devia o amar. Não podia ser, com certeza era uma aventura do meu coração, desde quando eu, em sã consciência, me apaixonaria por um homem? Confessava em silêncio que ultimamente me envolvia com alguns, mas ninguém menos que pessoas de grande importância.
Richard havia acordado com meu choro e então pôs-se a sentar na cama de frente para mim, ficou por pouco tempo me olhando triste, mas logo me envolveu em seu abraço. Deitei minha cabeça sobre seu ombro e retribui seu abraço, o outro sussurrava que tudo iria se resolver e que eu precisava ficar calmo, sua voz gentil e meiga funcionava como um calmante para mim, ele sabia. Estava mais calmo quando saímos do abraço, o olhei com lágrimas nos olhos; logo ríamos baixo e enxugava minhas lágrimas. Por mais que, naquele momento, meu desespero havia passado, ainda estava triste. Não aceitava ter me apaixonado por um homem, mais que um cúmulo, um verdadeiro absurdo. Precisava ver María, ter contato com alguma garota, mulheres, urgente. Seria ruim enlouquecer tão novo; corri para fora do quarto me sentindo enjoado e sem nem me ligar que tinha acabado de acordar, não tinha feito meus higienes e nem penteado o cabelo. Estava bagunçado e esvoaçante, seus cachos continuavam bonitos, mas revoltosos. Descia as escadas com descuido, acabando por parecer avoado e sem destino, o que era realmente.
Cheguei na entrada barrando meu corpo de ir além, minhas mãos seguravam a madeira que recebia a porta, então vomitei uma imensidão de líquido cor de laranja no chão à minha frente, estava paralisado, nem se me empurrassem dali sairia. Was e Giúlia conversavam no quintal, quase que de frente para mim, logo perceberam minha presença e olharam para mim, assustados. Ficamos um tempo nos encarando, até que rapidamente corri de volta para o meu quarto sem qualquer tipo de cerimônia. Em questão de segundos já estava deitado sobre minha cama novamente com os lábios sujos de vômito, chorando e me castigando por dar tanta importância a algo que não era para fazer o mínimo sentido. A forma como Was direcionava seu olhar surpreso ao meu rosto pálido foi o pior do momento, não acreditava que havia me mostrado tão desleixadamente diante das pessoas que achava importante parecer bem.
Era uma mistura de vergonha, remorso e tristeza; chorava e chorava. Minhas lágrimas haviam cessado quando ouvi alguém chamar por mim, a voz vinha de longe, mas sabia nitidamente que gritava meu nome. Era María, reconheceria aquela firmeza vocal em qualquer lugar, talvez até tivesse vindo para me salvar. Sentei-me na cama limpando a boca com as mãos antes de caminhar tranquilo até a janela, sorrindo fraco ao ver a garota que usava uma blusa preta com estampa de girassol e um short jeans esperar por mim ao lado da piscina. Sorria e transmitia uma energia tão boa, queria muito abraçá-la e roubar um pouco de sua luz. Então sem demorar, corri novamente para fora do quarto repetindo todo o trajeto que antes percorri. Os dois patetas ainda estavam no mesmo lugar conversando. Tinham tantos assuntos em comum, que máximo. Ironizava em meu pensamento na esperança de não dar tanta valor a isso.
Assim que cruzei a porta, passei como um trem-bala no meio dos dois sem me importar com os bons modos e a severa educação que meus pais sempre me ensinaram a ter. Corria na direção de María que abria seus braços percebendo que meu rosto estava vermelho demais, logicamente havia chorado e precisava de seu abraço. Era tão inteligente, tão astuta que me enfeitiçava por muita das vezes durante uma simples conversa, reparadeira, normal para seu gênero. Mulheres sempre muito antenadas e espertas, especiais demais para mim.
Me encaixei no abraço de Maria e afundei meu rosto em seu pescoço, sabia que os outros me olhavam sem saber o que acontecia, nem mesmo Maria parecia entender. Voltava a chorar feito uma criança que caía e machucava seu joelho, não tão alto, mas o suficiente para que todos me escutassem. Mesmo que chorasse alto, ainda fui capaz de ouvir Richard se despedir das pessoas à minha volta, estava incluído, mas ocupado demais para lhe dar minha atenção. A dor em meu peito fazia com que apertasse fortemente o corpo de María, ouvia com dificuldade sua voz me dizer que estava sufocando, mas não sabia e nem entendia o que aquilo significava. Logo me via sendo afastado do abraço por um par de mãos fortes, me puxava para trás como em uma briga, onde eu estaria agredindo alguém e abusando da violência, mas era um simples abraço. Olhei para trás e vi Was com seu peitoral servindo de apoio para meus ombros, já que me arrastava e se não tivesse onde repousar uma parte do corpo, cairia na certa.
Seus lábios se mexiam, mas não podia ouvi-lo; suas sobrancelhas juntamente da feição demonstravam que o outro estava com raiva, sem saber de quê e nem o porquê. Pisquei por vezes até finalmente conseguir ouvir-lo perguntar onde estava o meu juízo e se eu não havia visto que a machuquei. Olhei para Giúlia que observava tudo com a feição soberba, como se não pertencesse ao local e nem ao menos fazia questão de estar ali. Logo olhei para María que antes também me olhava, seu olhar era triste, sensível ao meu ver.
Aquele clima tenso não me faria bem como já não estava fazendo; me desprendi da prisão corporal de Was e corri para dentro do matagal, deixando tudo e todos para trás, não queria mais saber de nada. Não fazia a mínima ideia de onde estava e nem para onde ia, apenas meus pés sabiam. Coincidência ou não, havia corrido até meu lugar favorito, tal qual também era o mais depressivo. Como cheguei até ali não sabia, mas ao menos estava onde deveria estar. Suspirei o ar tão fresco quanto meu gosto para alimentos e caminhei até a beira do lago, sentei-me no lugar de sempre e afundei meus pés descalços na água gelada e refletora do céu azul. Droga, como tudo me lembrava ele? Por onde meus olhos repousavam, via seu rosto e seu sorriso, principalmente seus belos olhos tão verdes quanto tudo ao meu redor. Droga, como odiava amá-lo.

- Não teme que alguma sereia venha puxar seus pés?
Olhei para Was que me encarava de um jeito fofo, como se pedisse permissão para ir até mim.
- Sereias não existem.
Voltei minha atenção às arvores que habitavam o outro lado do lago.
- Mas se sereias não existissem, quem poderia cantar para nós quando dormirmos na areia da praia sob a imensa e majestosa luz da lua?
- O que disse? - o olhei confuso.
- Escritores precisam de imaginação, não acha?
- Era só o que me faltava. - ri olhando para baixo por timidez. - Sente-se logo e fique calado.
- Pensei que nunca fosse me convidar.
Was sentava ao meu lado com um sorriso cômico nos lábios.
- E precisava?
- Você é sempre assim tão áspero?
- Na maioria das vezes sim.
- O vejo agindo assim o tempo inteiro.
- Não seja reparador, isso não lhe cabe saber.
- Um pouco tarde para isso.
- Talvez.
- Agno, posso lhe perguntar algo?
- Já perguntou.
- É sério... Posso?
- Vá em frente.
- Por que estava chorando?
O olhei firmando meu olhar em seus olhos verdes que brilhavam tanto quanto as estrelas em uma noite escura.
- Falta do que fazer.
- Falas sério?
- É isto.
- E por que logo esse lugar? O que tem de tão especial nele para escolhê-lo?
- Sempre venho aqui quando estou triste.
- Certo, então quero que me prometa.
- O quê?
- Prometa que só voltará aqui no pior dia de sua vida.
- Pior?
- Sim, o dia em que tudo estiver perdido, em que sinta que ninguém no mundo seria capaz de preencher seu vazio, em que se sinta sozinho e queira abandonar tudo. Quando esse dia chegar, será o momento certo para voltar, nisso você olhará para as árvores e lembrará dos meus olhos, olhará para seus pés e lembrará das vezes que me ignorava enquanto fazia pouco caso de mim como estás a fazer nesse exato momento.
Olhava para meus pés movendo a mansa água de um lado para o outro quando o ouvi, logo o olhei e ri de suas palavras.
- Você é um cretino! - o outro riu junto a mim. - Realmente tem uma imaginação de dar inveja a qualquer criança.
- Estou esperando sua promessa.
- Não prometerei nada.
- Agora, Agno!
- Está bem, chato. Eu, Agno Fabrizzi Campbell, prometo que só visitarei este lugar novamente no pior dia de minha vida, quando minhas esperanças se esgotarem e me sentir perdido. Digo em nome de Was Volkov, um russo patético e infantil que se diverte se intrometendo na vida dos outros.
- Você é bastante desagradável, parabéns.
- Obrigado, fui o sorteado da família.

Dizia em um tom de ironia, mas era a mais pura verdade. Minha mãe simpática e amável, meu pai receptivo e agradável; eu era o único com o gênio forte, que usava e abusava da falta de educação que nunca pude ter. Was me olhava como se fosse me devorar, não seria a primeira vez, mas me arrepiava como se fosse. Adorava receber olhadas indiscretas, já que o outro revezava entre olhar meus olhos e meus lábios.
Para provocá-lo, mordi levemente meu lábio inferior o olhando de forma sexy; foi apenas piscar que me vi deitado sobre a grama, com os pés para fora da água e com o loiro em cima de mim. Me senti uma presa que venerava seu fim, esperava por uma morte trágica e súbita, da qual corria perigo de perder facilmente o fôlego e não voltasse nunca mais a viver a mesma vida sem graça de antes.
Os dentes de Was mordiam meu lábio devagar, minhas bochechas queimavam, com certeza estariam mais vermelhas que o sangue que corria em nossas veias. Beije-me, sou todo seu. Sussurrava mentalmente percebendo em seguida que talvez tivesse me ouvido, já que estava prestes a me roubar um beijo. Assim que seus lábios tocaram os meus, Was desviou sua atenção com rapidez para outra direção, Giúlia o chamava com os braços cruzados. Eu poderia matá-la com minhas próprias mãos, estávamos tão perto. Was suspirou e se levantou, logicamente saindo de cima de mim.
Sentei-me sobre a grama o assistindo ir até a garota como um cachorro que voltava para sua dona após ter fugido de casa. Ouvir Giúlia dizer que andar com "esse tipo de gente" não iria o fazer bem me subiu a ira, como queria arranhar seu rosto e arrancar com as unhas as suas lindas bochechas. Mas não pude fazer nada, já que Was apenas ouvia calado com a cabeça baixa, visivelmente humilhado. Era o cúmulo, seu olhar de desprezo para mim não fez efeito algum além de ódio. Saíram do local sem se importar comigo, que permanecia imóvel e incrédulo com tudo o que me acontecia.
Após Was aparecer em minha casa, em minha vida e em meu coração, tudo havia mudado. Maldito dia, ou talvez glorioso, não sabia ao certo como reagir ao outro que desdenhava de mim sempre que podia.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora