Assim que cheguei em meu quarto temporário, sentei-me sobre a cama e fiquei a encarar o canto da parede, na tentativa fútil de assimilar todo o tempo que havia perdido com um cafajeste. Além de ter perdido a pessoa que tanto acreditei ser o amor da minha vida, ainda perdi meu irmão, o amigo de infância, a pessoa que mais confiava no mundo com exceção dos meus pais. Joaquim não me perdoaria, Madalena claramente também não, apesar de brigar as vezes, eram primos próximos e se amavam. Bem mais que lógico, ela nem mesmo veio até mim, uma amiga que fiz e desfiz. Também havia perdido a felicidade que apostei, minha dignidade, minha sanidade, meu chão. Como iria me encarar no espelho depois de ter me entregado totalmente a um homem, que mesmo casado, se aventurou com um garoto igual a mim? Não fazia menção do quão pervertido e podre Was poderia ser, o quanto era, e que seus escrúpulos na verdade nunca existiram, assim como seu caráter. Sua sede em me iludir e enganar minha confiança não teve limites, meus sentimentos estavam a ponto de explodir meu coração, cada pulsação era um disparo, não aguentava o tanto que meu peito queimava e ardia de remorso.
Joguei meu tronco na cama ficando, dessa vez, a encarar o teto e a desejar que tudo o que aconteceu no eterno e quente verão desaparecesse para sempre, ou que por algum motivo, eu perdesse a memória das lembranças que acumulei. Não funcionava nada do que eu tentava, só pude chorar, foi o que me restou. Fui de encontro à camisa que ganhei de Was quando estava no hospital e a abracei enquanto chorava desesperadamente, loucamente. Meu pranto envolvia não somente as lágrimas, tudo em mim cooperava para que toda aquela amargura e dor vazasse sobre meus atuais olhos vermelhos, doía tanto.
Não suportaria passar nem se quer uma noite naquele lugar, enquanto as horas passavam, tratei de ligar para meus pais pedindo para que viessem me buscar, não era mais bem vindo onde estava. Jogado no chão, de joelhos na frente do guarda-roupa, foi como Was me encontrou, o homem da janela, o homem na janela. Levei meu olhar melancólico e minha feição desfigurada de angústia até o homem sentado sobre a madeira branca, na frente da enorme lua cheia, quase não se podia ver seu rosto.- É tão doloroso vê-lo nesse estado... - sua voz era mansa. - Você claramente irá me ignorar, ou somente me deixará falando e falando.
- Despeje mais de sua astúcia para a maldade sobre mim, afinal, tudo o que fez ainda foi pouco, não é? - respondi imóvel e sem mudar se quer um traço na feição.
- Agno, eu não vim rir do seu sofrimento e muito menos me vangloriar, você não tem noção do quanto chorei enquanto esteve longe.
- Hoje pela madrugada tive um pesadelo. - Was arregalou os olhos lentamente. - Eu estava deitado sobre a cama quando um clone meu entrou no quarto, ficamos a nos encarar em silêncio, até uma cobra entrar pela janela. Logo ao lado dela, estava você, com uma adaga na mão esquerda, então veio até mim com passos curtos e o mesmo sorriso ladino que sempre me conquista, seus dedos passearam pelo meu peitoral despido.
- Acabou assim?
- Você me esfaqueava após ter cravado a ponta afiada da adaga em meu coração, tudo foi tão real, eu pude sentir a lâmina rasgar minha pele lentamente enquanto me contorcia de dor debaixo de seus olhos, lugar onde transparecia toda a sua luxúria...
- Me acha mesmo tão ardiloso e egocêntrico?
- Não. - um pequeno sorriso se formou em seu rosto. - Pensar isso seria otimisto demais de minha parte. - o sorriso foi desfeito.
- Então quer dizer que para você eu sou ruim? Agno, eu mostrei para você o homem que sou.
- Ruim.
- Não, dedicado! Em todo o momento me dediquei a você, sempre pensando em como tornar as coisas mais fáceis e menos duras, você teve o melhor de mim!
- Se esse é o seu melhor, não quero nunca ver o pior.
- Hum?
- Me diga, se não ama a sua esposa, por que continua com ela? Por que a engana desse jeito se ela é a mãe do filho que você disse amar tanto? Por que arquitetou todo esse plano idiota? Por que se envolveu comigo? Você é gay e não tem coragem de assumir? Não tem coragem de me assumir!
Lágrimas rolavam sobre meu rosto enquanto a forma de falar se tornava chorosa.
- Agno, não sou gay! Eu apenas me apaixonei por você, mas não tenho a mínima noção de quando começou e de como aconteceu, meu suspirar é seu desde o momento em que me cumprimentou na sala de estar de sua casa, com seus lindos e atraentes olhos azuis, até quando toquei em seus ombros.
- Se é tão apaixonado por mim, então por que me desprezava tanto?
- Eu sabia que você não gostava de homens, o que de certo modo entendia, pois também não gosto, eu realmente não sabia o que estava acontecendo comigo e porquê meu coração saltitava tanto quando estava ao lado ou quando o via, mesmo de longe. Sabia também que não poderia estar verdadeiramente em sua vida, porque além de ser casado, minha estadia aqui no Brasil é pequena, logo teria que voltar para a Rússia e não nos veríamos mais. Precisava urgentemente matar aqueles sentimentos que crescia a cada segundo, mas também precisava de você, ainda preciso, todos os dias. Fui me afastando aos poucos, sofrendo muito e chorando durante cada minuto que se passou e estávamos distantes, nunca fui de chorar por amor, mas eu nem ao menos sentia ser o mesmo homem, tanta mistura de sentimentos e alto repulsa me faziam até mesmo vomitar. Me envolvi com a Giúlia na intenção de esquecê-lo e ocupar meu tempo para não corrermos riscos, até porque necessitava de alguém para me ajudar com meu livro, e já que não podia consultar você, ela foi minha única opção, mas nunca a enganei, sempre tratei de deixar claro minhas intenções. Já no caso da minha esposa, ela sabe que não a amo, essa é uma história antiga e mal resolvida que não gosto muito de falar sobre, mas mesmo estando totalmente enfadado, não podemos e nem vamos terminar. Por mais que minha vontade seja de estar com você, amar-te intensamente, tê-lo somente para mim e te abraçar tão forte, nunca deixar nada o machucar.
Was estava ajoelhado diante de mim e me agarrava como se a qualquer momento pudesse escapar, a lateral do meu rosto era pressionada contra o seu peitoral enquanto o outro chorava.
- Tudo o que eu vivi com você foi uma mentira, nada passou de meros delírios de um homem sem o mínimo senso de empatia, tratando mulheres como se fossem suas bonecas, que quando não mais lhe servem, as descartam como se não tivessem feito nada por você!
- Não é verdade! - o empurrei.
- Giúlia o que mais fez foi te ajudar, a família dela o acolheu super bem em sua casa, deram festas em sua homenagem, deram o suporte que você precisava para o seu livro e ainda lhe deram um carro! Não acha o que fez com ela errado? Mesmo que tenha aceitado, se você tivesse nem se fosse um porcento de caráter, iria rever suas ações e saberia que é ridículo tratar uma mulher com tanto desdenho!
- Foda-se essas mulheres! Agno, eu te amo! Por que não acredita em mim agora que disse toda a verdade? Até porque nunca menti para você, somente omiti, afinal, nunca me questionou sobre um suposto casamento.
- É muito difícil... não vou me acostumar com essa sua confusão tão cedo...
- Eu sei que estou errado e mereço todo esse ódio que sente por mim, se quiser me bater fique à vontade, só por favor, diga que me perdoa... não suportarei viver sabendo que não tenho o seu perdão...
- Então morra se não suportar desse modo, porque é justamente assim que viverá. - levantei-me indo na direção da janela e cruzei os braços me encostando na parede. - Vá embora daqui agora!
- É isso mesmo o que quer? - perguntou me olhando.
- É exatamente o que quero.
- Não irá me perdoar?
- Não.
- Então ao menos se despeça de mim... - Was se levantou e caminhou até a janela ficando ao meu lado. - Amanhã é o dia da minha partida, e eu... não quero ir sem senti-lo em meu abraço... sem sentir o calor de seu corpo... sem sentir seu coração bater junto ao meu... pela última vez...
- Não quero a porra da sua despedida! Vá embora daqui agora!
- Apenas quero que saiba. - o olhei com impaciência. - Você é tudo para mim, tudo o que fiz, foi para vê-lo feliz, mesmo que da forma errada... Se estará mais feliz sem mim em sua vida, então eu vou embora, mas meu coração ficará com você... sempre lhe pertenceu...
- Adeus, Was.O homem fechou os olhos em meio ao suspiro e se foi, olhei para o lado oposto assim que pulou a janela, vê-lo ir embora depois de tudo o que me disse não podia me causar nada a mais que um coração partido. Escorreguei com as costas sobre a parede enquanto chorava, nada nunca me doeu tanto, estava completamente destruído. Sentado no chão, ainda chorava e imaginava o quanto me doei para algo que no final fiz questão de expulsar da minha vida.
Meu primeiro "caso" se tornaria uma lembrança deveras dolorosa, sentia que todas as vezes em que fosse lembrar de quando metade de tudo foi arruinado, choraria como uma criança, do mesmo modo que chorava naquele momento. Essa foi sem sombra de dúvidas a minha maior decepção.
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Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.
RomanceAgno é um jovem reservado de 18 anos, que mesmo sendo hétero, encontra o amor em um homem saudável e atlético no auge dos seus 23 anos de idade, que no caso, também é hétero. Os amigos o acompanham na sua auto descoberta e tentam o ajudar, mas o gar...