A queda

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Nos divertíamos como se ainda tivéssemos oito anos, a casa de Joaquim era tão enorme que se não fosse guiado por alguém, com certeza me perderia. Em seu quarto, cantávamos e dançávamos fingindo ser vocalistas de uma banda famosa; eu em pé sobre a cama e Joaquim na minha frente, com seus ombros na altura do meu quadril e com os pés no chão. Meu microfone era interpretado por uma escova de cabelo, já o de Joaquim era um vidro de perfume. Pulava na cama e caía de joelhos sobre seu gigantesco tapete de veludo, éramos ótimos cantores de rock que buscavam agradar seu fãs que enlouqueciam a cada movimento nosso. No rádio, tocava a música Numb da banda Linkin Park, no momento em que começou, Joaquim e eu nos olhamos e logo já estávamos cantando como se fôssemos parte da banda. Não sabíamos que tínhamos o mesmo gosto musical; gastamos toda a nossa manhã fugindo da realidade, nem mesmo Was perturbava os meus pensamentos.
Éramos outros, tão distantes de tudo quanto podíamos imaginar, tínhamos o mundo nas mãos e não havia forma melhor de esquecer os problemas do que se divertindo com alguém que tanto amava. Por vezes, nos olhávamos no mesmo momento e sorríamos, estávamos realmente felizes, não sei ele, mas eu estava a precisar muito de tudo aquilo para enfim ter um pouco de paz. Assim que a música acabou, a porta se abriu e um dos homens que trabalhavam na casa veio nos chamar para irmos até a mesa, o almoço seria servido assim que estivéssemos todos juntos. Joaquim voltou a sorrir feliz, e após agradecer ao homem, agarrou meu pulso e correu comigo para fora do quarto. O garoto corria no corredor de quartos me puxando euforicamente até as escadas, suspirei aliviado pensando que o outro teria senso e não correria comigo nos degraus, logo me frustando, pois foi exatamente o que Joaquim fez.
Em um momento dos vários em que tropecei, acabei por cair da escada, levando Joaquim comigo, tal qual despencava junto a mim. Rolávamos sobre os degraus misturando nossos corpos e passando um por cima do outro até finalmente alcançarmos o chão; caí deitado com as costas no chão de madeira e Joaquim deitado sobre o meu corpo como se fôssemos personagens de um filme clichê. Estava tão dolorido que não aguentava me mexer, mas pude ver nossos pais se aproximarem com a feição apavorada, não ousaram tocar em Joaquim até que algum médico permitisse. Naturalmente tinham medo de mexer no garoto sem poder e acabar por quebrar algum osso, ou deixá-lo paraplégico. Resmungávamos baixo, era tanta dor que já não aguentava. Meus olhos se fechavam aos poucos de forma involuntária, mesmo que ainda pudesse ouvir e saber o quão desesperados os adultos presentes no local estavam.
Meus olhos permaneciam fechados e ouvia os outros com dificuldade; o que já estava ruim conseguiu piorar, era como se meus ouvidos estivessem se fechando ou encolhendo, os sons foram se abafando e eu já não escutava mais nada. Estava tudo escuro e me via perdido, sozinho e abandonado em meu subconsciente; tinha medo de estar morto, mas um tempo depois, ao abrir os olhos, percebi que não devia ser nada mais que um desmaio.
Estava deitado sobre o sofá com um homem agachado diante de mim, seu jaleco branco deixava tudo mais óbvio, haviam chamado um médico. Suspirei alto procurando Joaquim com os olhos, tentava levantar um pouco a cabeça, mas os outros à minha volta me forçavam a ficar quieto e diziam para não me preocupar com Joaquim, pois estava em melhores condições. Assim que soube estar pior, relaxei meu corpo tendo noção do outro, estava bem, já que eu não me sentia tão mal quanto aparentava.
Precisava descansar, então simplesmente procurei me desligar de tudo e aproveitar o pouco tempo que teria sozinho. Passei por alguns minutos relaxando cada vez mais o meu corpo até algo me chamar a atenção, uma voz diferente de todas as que estava acostumado a ouvir sussurrava em meu ouvido dizendo que esperava me ver bem, abri os olhos deveras curioso me deparando com uma garota. Tomamos um susto tão grande que meu corpo voltava a doer e a menina derramava um pouco de sopa em sua bermuda. Era certo que estava intrigado para saber quem seria aquela garota, mas e quanto a sopa? Se fosse para mim teria que devolver, odiava sopa, só tomaria à base de agressão.

- Não me assuste assim outra vez, Agno! - dizia a garota enquanto tentava limpar com as mãos a bermuda suja.
- Quem é você? Como sabe o meu nome?
Estava com a vista embaçada, mas pude reparar que a garota era idêntica ao Joaquim.
- Perdeu a memória, querido? - me olhou.
- Lembraria de ti se te conhecesse, não é fácil para mim esquecer mulheres bonitas.
- Hum... pelo o que percebi não perdeu o jeito de conquistador. - a menina sorriu tímida.
- Como se chama, meu bem?
- Madalena, se caso também tenha esquecido, sou prima do Joaquim.
- Ah... então é esse o motivo de tanta semelhança.
- O azul do olho dele é mais claro, o meu é da cor do seu. Acho que isso nos diferencia um pouco.
- Queria que tivéssemos mais coisas em comum do que somente a cor dos olhos.
- Como por exemplo?
- A vontade de beijar...
Respondi em um susurro sentando-me no sofá enquanto encarava rigorosamente seus lábios.
- Ah, mas isso eu tenho de sobra, ainda mais se a outra pessoa for você. - disse Madalena me encarando de volta enquanto se levantava.
- Não se preocupe. - ria baixo desviando o olhar. - Estava apenas brincando.
- Mas eu não.
Madalena sentou-se em meu colo, e segurando meu rosto, me roubou um beijo de língua.
- Então quer dizer que você me rejeitou para ficar com a minha prima?
Ouvi a voz de Joaquim após pouco tempo beijando a garota, logo saindo do beijo para o olhar.
- Eu posso explicar...
- Claro que pode, Agno. Você disse gostar de mulheres e minha prima é linda, além disso, ela esperou junto a mim o momento da sua volta. - olhei para Madalena que sorria.
- Está bem, mas e a sopa?
Mudei o assunto antes que toda aquela história do passado voltasse a me encher a paciência.
- Trouxe para você.
- Saia.
Empurrei Madalena de forma prática fazendo com que a mesma caísse no chão.
- Ei, por que fez isso? - Joaquim me olhava assustado.
- Não gosto de sopa. - me abaixei diante da garota e apertei de forma sutil seu seio direito enquanto sussurrava em seu ouvido. - Da próxima vez que me encontrar, venha até mim sem isso.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora