Empurra mais que está pouco

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Abri os olhos devagar ao ouvir uma voz mansa chamar por mim diversas vezes, a pessoa deveria realmente ser paciente, em momento algum parecia desistir ou estar indignada com a minha resistência em acordar. Com o tempo fui tomando consciência e até mesmo regulando melhor que há minutos atrás, quem muito me invocava era Joaquim, pude reconhecer sua voz. Olhei para o lado procurando por Was enquanto o garoto falava coisas que entravam em um de meus ouvidos e saíam pelo outro, atenção mínima era a que eu lhe concedia. Quando meu quarto voltou a ser habitado somente por mim, percebi um pequeno pedaço de papel sobre o travesseiro que o russo usara para dormir; o peguei em minhas mãos e me propus a ler o que o outro havia escrito: "Meu amor, desculpe-me por ontem, não queria parecer um psicopata doente por atenção ao praticamente invadir o seu quarto, mas eu realmente preciso estar ao seu lado o máximo de tempo que puder, preciso amar-te e lhe tocar como só eu posso, sentir o seu respirar. Sei que para a sua linda cabecinha de criança acabo parecendo antiquado e clichê demais as vezes, porém, apenas quero que veja e entenda que meu amor é real e minha vontade de transformá-lo em um sentimento mútuo só cresce, eu realmente te amo. Desculpe-me também por ter saído sem me despedir, a vida de um homem adulto não é fácil, espero que compreenda. Good morning, my little love."
Acordar e me deparar com um caminhão de afeto transmitido por um bilhete não tinha preço, se fazia tão óbvia a minha vontade de chorar, era um alívio não ter mais ninguém ali para reparar isso. Me levantei da cama e saí do quarto logo após guardar o bilhete junto à carta, estavam todos sentados ao redor da mesa e me olhavam em silêncio, talvez as palavras que Joaquim proferia a mim antes era para ir até a sala de jantar, onde faziam todas as refeições, para tomar o café da manhã na companhia de sua família, pois até mesmo Madalena e seus pais estava ali. Se pudesse bateria em meu próprio rosto por não ter dado a mínima atenção ao loiro, era vergonhoso aparecer daquela maneira diante de pessoas tão importantes. Joaquim balançava a cabeça em reprovação demonstrando uma certa decepção, e não estava errado, mas olhei em seus olhos e abaixei a cabeça como um pedido de desculpas.
Agenor quebrou toda a tensão quando me convidou para sentar junto de sua família, quis muito negar e ir ao banheiro, mas Joaquim levou seu olhar do meu rosto até a cadeira vazia ao seu lado indicando-me que era onde deveria estar. Suspirei baixo e caminhei até a cadeira sentando-me entre os dois primos. A hora da refeição não durou muito para mim, estava a ponto de chorar, me sentia tão mal, era como se meu lugar não fosse ali, eu queria tanto estar em minha casa.
Me ausentei da sala de jantar com a desculpa de estar com cólicas abdominais e esperei estar um pouco distante para correr até o banheiro, assim que o alcancei, tranquei a porta e me sentei no vaso sanitário já aos prantos. A questão não era ser maltratado, mas justamente não pertencer, era o único agregado sem importância, filho e problema de outros, uma família distante. A saudade dos meus pais só pioravam toda a situação, eu nunca havia passado tanto tempo longe deles, até porque Camila e Roberto eram meus amigos mais importantes, tudo para mim. Tentava ao máximo chorar baixo para que as pessoas que ali passassem não me ouvissem, o que também serviu para que Madalena pudesse se comunicar comigo, dizia para me apressar e ir até sua casa. Enxuguei as lágrimas dos meus olhos e disse para irem primeiro, Madalena me entregou por debaixo da porta as roupas que havia pedido para ela quando ainda estávamos sentados sobre a mesa; já com as roupas disponíveis, caminhei até o chuveiro e o liguei enquanto sentia aos poucos as gotas d'água trazerem de volta boas lembranças que colecionei durante o verão.
Um tempo depois de ter feito meus higienes, já estava arrumado indo de forma tranquila até a casa de Madalena, só estariam nós três, então não via problemas. Entrei na casa, os pais da garota me disseram para ir até a piscina que ficava nos fundos. Cruzei todo o imóvel com certa timidez, a casa era tão grande e chique que fazia com que me sentisse inferior, um ser tão pequeno e inútil, por que sempre me castigava pensando que não deveria estar nos lugares? Não era bom me auto humilhar daquela maneira, nessas horas que percebia o quão certo Lucas estava quando me repreendia.
Finalmente havia chegado, porém, quando olhei em volta, desejava interiormente estar perdido, de onde saiu tanta gente? Eu achei que seríamos somente eu, Madalena e Joaquim, mas estava enganado. Em todos os lugares que olhava tinha alguém, se antes já estava tímido, depois de presenciar aquela festa lotada de pessoas que não conhecia, senti minhas pernas bambas.
Estava paralisado olhando para a piscina quando senti alguém me abraçar por trás, me assustei querendo fugir dos braços da pessoa, mas quanto mais tentava ir embora, mais ela me apertava.

- Ei, o que está acontecendo? Calma, amor, sou eu. - olhei para trás suspirando aliviado ao saber que era Was.
- Perdão... não sabia que era você...
- Fiquei até feliz agora. - o russo sorria.
- Por quê?
- Você recusou ser abraçado por outra pessoa ao não saber que era eu, está sendo fiel a mim.
- Por que eu seria fiel a você se nem ao menos temos um relacionamento?
- Hum...
- Posso ser abraçado e abraçar quem eu quiser.
- Eu também?
- Você também.
Was abaixou a cabeça e me soltou do abraço.
- Não vai tirar a roupa?
- Tirar a roupa para quê?

Was me empurrou na direção da piscina com tanta força que quase me arremessou do outro lado, acabei caindo igual fruta podre caí da árvore, minha pele ardia pelo contato que teve com água e eu só sabia afundar. Logo quando encostei no chão da piscina, senti uma mão segurar o meu pulso e me puxar para a superfície, estava tossindo por ter me engasgado um pouco, e assim que vi Was, joguei o máximo de água que pude em seu rosto. Estava realmente furioso com a atitude alheia, tive vontade de agredi-lo até descontar toda raiva que sentia.

- Você ficou louco? - gritei no rosto de Was.
- Por quê, meu amor? - me olhava assustado.
- Como me empurrou daquela maneira?
- Usando as mãos.
- Não tem graça, seu idiota! - voltei a gritar em seu rosto.
- Calma, amor... Eu pensei que soubesse nadar...
- Nadar eu sei, mas essa piscina é muito funda para alguém que caiu de forma inesperada! Você poderia ter me matado!
- Não diga isso... jamais iria permitir, não é a primeira vez que te resgato.
- Nem sempre você conseguirá me salvar, Was. Onde está a porra do seu juízo? Precisa urgentemente pensar antes de fazer algo, não seja inconsequente!
- Está bem, Agno! Me desculpe, ok?
- Sim, ok.

Era bastante visível o quão triste Was havia ficado, estava com raiva, mas odiava vê-lo daquela maneira então resolvi relevar e fingir que nada aconteceu. Passei meus braços em volta de seu pescoço e o beijei deixando todas as outras pessoas de lado, reconhecia que as vezes era muito severo com ele, um homem bobo e brincalhão que não me chateava de propósito, na maioria das vezes não. Was rapidamente retribuiu o beijo fazendo sua parte enquanto tentava controlar seu sorriso, mas foi com esse mesmo sorriso que encerramos o beijo, ficávamos tão felizes juntos, estar ao seu lado era tudo o que mais desejava, para sempre.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora