O lençol

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Sem ter a resposta que esperava, Madalena permitiu que Was fosse embora, já era tarde, precisava organizar sua vida antes de malhar. O mordomo de Joaquim apareceu no quarto dizendo que sua mãe o queria dormindo, pois teria um compromisso importante de negócios a tratar pela manhã; após o recado ser dado, me despedi dos primos que aproveitavam a companhia um do outro para irem juntos. Assim que a família de Joaquim soube que eu voltaria, trataram de fazer a mudança de quarto do qual eu havia pedido, amava o cômodo de cima, era realmente ótimo acordar e poder me regojizar da visão incrível da praia através da janela, mas pela altura não poderia fugir como planejava fazer nas madrugadas locais.
Deitado na cama, pensava nos momentos vivenciados ao lado de Was, sorria fácil e mordia os lábios por timidez, era um bom jeito de passar o tempo sem percebê-lo. Mesmo com a cabeça nas nuvens, estava atento a qualquer sinal da presença de Was na praia, e por mais que não esperasse nenhum, pude ouvir um barulho que me fez ficar pendurado na janela para ver do que se tratava. Meus instintos estavam certos, era Was que passava correndo, não de forma apressada, mas de modo que fizesse bem para a sua saúde e não fosse tão exaustivo. Como a parede em que a janela fazia parte ficava virada para as plantas, tratei de pular para o lado de fora do quarto e caminhei calmamente até a parte frontal da casa. Was já estava longe, o que de certa forma foi bom para mim, já que sair de um canto escuro tão tarde da noite enquanto ele corria por ali não seria nada favorável.
Sentei-me na pequena escada que levava até o jardim de boas-vindas, eram apenas quatro degraus que davam direto no caminho de pedras que nos guiava até a entrada da casa. Abracei minhas pernas apoiando meu queixo sobre um dos joelhos e observei Was dar meia volta e percorrer novamente todo o caminho que antes usou para chegar onde estava, seus pés despidos tocavam o chão e o impulsionava para frente fazendo com que se aproximasse cada vez mais de mim. Na altura do momento era para estar desesperado, mas simplesmente matinha meu olhar firme no outro e não me permiti pôr tudo a perder. Quando Was passou por mim, o olhei com as expectativas à flor da pele, mas ele nem ao menos me olhou. O esperado era ter me magoado com a desfeita, mas pensar que talvez ele não tivesse me visto salvou-me de uma noite sofrida e amarga.
Was já estava longe e corria feito um atleta, não sabia que vida ele tinha na Rússia, mas com certeza se tratava de algo feliz e saudável. Realmente me sentia invisível, tirando as vezes em que não contei, o loiro passou por mim sete vezes; devia estar verdadeiramente focado, pois nem para os lados se dava o trabalho de olhar, nenhuma vez. As ondas do mar emitiam um som suave em todas as vezes que se encontrava com a areia seca, encharcando e a levando para a imensidão de água junto de si. Meu respirar ofegante também se dava para ouvir de certa distância; alguns morcegos voavam baixo e veloz, por vezes eu suspirava, mas Was simplesmente ignorava tudo ao seu redor de forma impecável.

- Descanse um pouco, você já correu bastante.
Giúlia apareceu como uma assombração na frente de Was que estava prestes a passar por mim.
- Por que ainda está acordada?
- Isso não vem ao caso, você precisa de uma pausa!
- Conhece algum atleta que descansa antes de passar de cem, seja qual for seu ofício?
- Não.
- Então por que está se intrometendo? Estou longe de alcançar minha meta.
- Mas... como você está?
- Suado.
- Vá para casa tomar um banho, chega de correr por hoje!
- Giúlia, por que você não vai perturbar o Lucas?
- Quem? Lucas?
- Sim, o amigo do Agno. - sorri quando disse meu nome.
- Ele já foi embora.
- Eu também.

Was a contornou e voltou a correr deixando a garota furiosa a bufar, após uma dose de palavrões, Giúlia se foi enquanto eu gargalhava em silêncio para não ser descoberto. Finalmete Was teve a noção de como tratar uma garota patética como Giúlia, por mais que "precisasse" dela, talvez realmente havia cansado de aturar desaforos e maus tratos. Um belo de um bem feito era tudo o que desejava dizer a ela naquele instante, que houvessem muito mais momentos iguais a esse quando estivessem juntos, esperava no fundo do coração que se tornasse uma pessoa melhor.
Estava distraído quando senti algo tocar meus ombros, meus olhos se arregalaram e meu corpo paralisou, não havia ninguém atrás de mim. Queria correr, mas minhas pernas não se mexiam, fui me tranquilizar somente quando percebi ser um lençol posto sobre meu corpo. Olhei para a pessoa que abraçou meu pescoço, era Joaquim que mesmo sonolento foi até mim, minha surpresa se deu ao fato dele ter ido dormir há horas atrás, mas tudo ficou claro quando o mesmo disse ter acordado com frio e lembrado que eu estaria fora da cama, no sereno.
Voltei para o meu quarto junto dele que aceitou dormir ao meu lado, já que seria muito ruim de minha parte deixá-lo retornar ao seu quarto que se encontrava muito distante do meu, Joaquim era um amigo incrível, sempre que pudesse retribuiria o tanto que fazia questão em me ajudar.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora