Estava comendo junto dos amigos em volta da mesa, o "lanche da tarde" foi bem reforçado, já que nenhum de nós tinha se alimentado. Mesmo sendo noite, a mãe de Joaquim cismava em dizer que era nosso lanche da tarde. Rir dela não era bem um costume, mas era bom; por mais que fosse uma mulher recatada e fina, entrava na brincadeira nos permitindo rir alto se quiséssemos. Enquanto todos ao meu redor se divertiam e um riso descontraído saía dos meus lábios, interiormente me preparava para ver Was, estava ansioso.
Após abandonarmos a mesa, fui até o enorme quarto de Joaquim com os outros para aproveitarmos o resto da noite juntos. Sua cama era tão espaçosa que coube todos nós, estávamos sentados um de frente para o outro com as pernas cruzadas, amava ficar assim. Conversávamos sobre coisas aleatórias, estava sendo bom, pois fazia um tempo que não ria tanto. Madalena estava conosco e fazia um discurso em alemão, a família inteira de Joaquim se portava com tanto louvor diante das outras pessoas, virávamos fãs a cada dia que passava. Para implicar com a prima, Joaquim iniciou uma discussão em russo, que foi retribuída momentos depois de uma crise de riso da mulher em questão. Estávamos todos rindo, eu principalmente, achava tão engraçado que as vezes me faltava fôlego. Durante a discussão, pude observar alguém passar na parte de fora da porta e logo entrar no quarto com a feição confusa.- Para quê tanta agressividade assim, meninos? - Was pôs as mãos nos bolsos da calça.
- Estava nos espiando, é? - perguntou Madalena olhando para ele.
- Apenas passei pelo corredor e ouvi suas ofensas, vocês falam russo muito bem, parabéns.
- Você também é ótimo no português, as vezes parece até um de nós.
- Menos quando se irrita. - interrompeu Luna rindo juntamente dos demais.
- Todos perdemos a sanidade quando estamos irritados, é comum.
Was estava tão à vontade, diferente de mim, tremia interiormente.
- Verdade. - concordou Joaquim.
- Bom, foi um prazer vê-los, mas preciso me retirar. Tenham uma boa noite.
- O mesmo para você, Was.Após a frase de Joaquim, o russo sorriu antes de levar seu olhar frio a mim e ir embora fechando a porta. Qual era o problema dele? Por que desmanchou o sorriso quando me olhou? Aquilo me afetou. Não conseguia mais sorrir como os outros e ele era o culpado, estava tão ansioso para vê-lo na praia, aparentemente Was estragou tudo.
Me levantei e fui até a janela tendo acesso a uma visão excepcional, a lua refletindo sua intensa luz no mar, me lembrando que deveria estar em casa com meus pais. Suspirei alisando o vidro da janela me controlando para não sentar ali, tudo naquela casa era tão frágil, não me daria ao luxo de quebrar e causar problemas às pessoas que me receberam junto dos meus amigos com tanto amor.
Já passava das onze horas, estavam todos indo dormir, inclusive eu que ia para o meu quarto sem me despedir, não era por nada, apenas me sentia triste. Me joguei na cama e fiquei a encarar o teto, Was brincava comigo e eu sempre era sua vítima, deixando meu lado racional de lado para ser maltratado de forma desprezível. Recusar seus encantos tornou-se impossível para mim, era tão sexy e incrivelmente charmoso, seu sorriso ladino decretava o meu delírio, eu me rendia por completo. Was era um atleta, seu corpo musculoso me causava arrepios, como ir contra um homem desse? Ninguém era capaz, todos o amavam. Odiava essa guerra de sentimentos dentro de mim, precisava olhar dentro de seus olhos e gritar tudo o que estava guardando, todo o ódio e amor que sentia por ele e todas as vezes em que uma enorme vontade de socar seu olho até que ficasse sem crescia em mim. Sairia como louco, mas ao menos iria me libertar, toda essa briga por espaço dentro de mim só me fazia querer chorar e explodir, estava mais que na hora.
Olhei pela janela e o vi correndo com uma prancha de surf debaixo do braço, mas por quê? Não tinha onda nenhuma para ele surfar, o que mais haveria para fazer com aquilo? Precisava averiguar mais de perto. Saí do quarto com passos lentos, fechei a porta devagar para não fazer barulho e fui descendo as escadas de forma cautelosa, ninguém poderia saber que estava indo atrás dele. Naquele dia mais cedo, no momento em que voltei da praia, fui até um quarto desocupado no primeiro andar e deixei a janela aberta para que pudesse fugir pela madrugada. Tinha planejado tudo detalhadamente, talvez assim poderia aceitar os elogios dos meus pais sobre minha suposta inteligência. Pus um livro no caminho que a janela percorria para ser fechada e para que não se trancasse sozinha com a ajuda do vento. Fugi cuidadosamente. Haviam plantas por onde andava, com certeza poderia ser uma boa me esconder ali. Não estava nem tão perto e nem tão longe, mas pude observar Was subir na prancha, e com os braços e mãos, nadar para longe da parte rasa. Corri um pouco abaixado até o deck e caminhei pelo grande caminho de madeira diante dos meus pés, era divertido andar em cima de algo, que para mim, mais parecia um palanque. De certa forma estava andando por cima das águas, um tanto quanto emocionante e divertido pensar nisso.
Ao chegar quase no final, pude ver uma escada que levava para dentro do mar, mas mesmo sabendo nadar, sabia que cair ali significaria morrer. Existiam muitos animais marinhos, além disso, era noite e difícil enxergar algo sem ser o próprio desespero, e sim, fui idiota o suficiente de descer as escadas. Ao chegar no último degrau, me sentei nos que vinham antes e fiquei molhando meus pés com cuidado para nada sair da água e me puxar. Fiquei ali sentado durante um tempo, queria ver Was, mas também curtir um pouco do mar sombrio e misterioso que o russo decidiu explorar. De vez em vez o espiava, estava simplesmente sentado na prancha com as pernas cobertas pela água até os joelhos, não podia ver seus detalhes por estar entre o beijo da lua e do mar.
Havia apenas o desenho de um homem observando uma linda paisagem, mas ao meu ver, Was estava perfeito e em total harmonia com a natureza. Era deveras corajoso, eu jamais confiaria tanto em mim a ponto de ir nadar nessas águas escuras e habitada por seres desconhecidos sozinho, talvez nem mesmo acompanhado. Was realmente não parecia se importar e nem ter medo, perceber aquilo me fez ficar ainda mais apaixonado, era destemido e tudo o que confortava meu coração. Meu momento de espioná-lo com um sorriso bobo no rosto não durou muito tempo, logo vozes vieram, me escondi ali mesmo na escada prestando atenção no assunto, afinal, não poderia ser pego. Soube que era Giúlia conversando com um homem à medida que iam se aproximando, não pude reconhecer sua voz, mas era bem nítido o tanto de embriaguez presente, deviam ter bebido mais que o recomendável.
Assim que se aproximaram de onde eu estava, percebi um clima estranho; Giúlia aparentemente o empurrava e ordenava para que o homem não encostasse daquela forma em seu corpo. Olhei por uma brecha e vi que a garota usava uma saia curta e não gostava quando o outro se aproveitava disso, minha feição mudou de neutra para raivosa, aquele porco imundo estava tentando molestá-la, era mais do que óbvio, precisava urgentemente da minha ajuda. Dei um pulo dos degraus para o deck me apoiando na madeira em uma posição parecida com a de um super-herói famoso, os dois por um momento pararam o que faziam para me olhar, mas logo não davam a mínima para a minha presença e continuavam como se não estivesse ali. Bufei ao perceber que o homem não pararia de tentar abusar de Giúlia e entrei no meio dos dois levando, por acidente, um belo de um aperto na nádega esquerda que era para ser depositado na garota. Levantei meu joelho com um pouco de dificuldade e chutei com força a barriga do homem empurrando-o para longe, Giúlia então me agrediu dizendo para eu não fazer isso com o amigo dela enquanto recebia um olhar confuso de minha parte.
Nesse pouco tempo, o homem se recompôs e veio na minha direção; segurei sua cabeça, e em um movimento astuto, levantei novamente o joelho afundando seu rosto nele. O local da colisão sujou-se de sangue, aparentemente havia quebrado o nariz alheio e desmaiado o suposto amigo da garota.- Você ficou maluco? Por que fez isso com ele? - gritou Giúlia indo até o outro.
- Eu que fiquei maluco? Ou você que está defendendo um homem que tentou lhe abusar? - gritei de volta.
- O que ele tentou fazer por acaso é da sua conta? - a garota voltou a gritar enquanto mexia no homem desmaiado.
- É assim que me agradece por salvá-la de um abuso, ou até mesmo da morte?
- Morte? Do que você está falando, garoto estúpido?!
- Ah, então você acha mesmo que esse homem aparentando ser no mínimo oito anos mais velho iria abusar do seu corpo de forma delicada? Acha, sua anta? Você é uma soberba metida a porcelana, talvez até com um tapa bem dado no rosto seria capaz de entrar em coma no hospital.
- Cale-se! Sou quem mando em tudo aqui, você não tem condições o suficiente nem de pisar nesse deck, quanto mais de discutir comigo! - Giúlia se levantou vindo até mim.
- Veja bem, não quero discutir com você, apenas não podia vê-la sofrer um atentado quieto como se não me incomodasse.
- Minha vida não lhe desrespeito! Não se meta onde não for chamado!
- Quer saber de uma coisa?! Eu quero mais é que você se foda e que seja muito infeliz com essa vida de vadia que leva, mas apesar de se tratar de você, nunca deixaria uma mulher ser violentada na minha frente!
- Está chamando quem de vadia?
- Isso mesmo, você! E não pense que poderá proteger seu "amigo" por muito tempo, mulheres que eu amo estão ao seu alcance e eu não sei o que seria capaz de fazer se visse ele fazendo mal a qualquer uma delas!
- Não ligo nem um pouco com o que você fará e nem com quem você ama, são todos sujos e carentes de atenção iguais a você!
- Escute, não importa o quanto eu te odeie e o quanto sinto vontade de matá-la, mas se correr perigo novamente perto de mim, outra vez irei defendê-la e sua opinião sobre isso não vale de nada para mim!
- É mesmo? Tente fazer isso quando voltar do inferno!Giúlia usou toda a força de seu corpo para chutar meus testículos e me empurrar para trás, foi quando então acabei por cair de costas no mar, minha boca estava entreaberta por causa da dor intensa que sentia e por isso engolia muita água. Afundava igual uma pedra ao ser lançada para dançar em um rio, que na verdade apenas concorda com seu peso e desaparece às vistas de quem a lançou. Tudo ao meu redor foi ficando escuro e frio, aquele certamente seria o meu fim definitivo, ninguém mais seria capaz de me salvar, ia tão fundo e engasgando de forma tão desesperada que não podia mais respirar. Estava morrendo a cada segundo que passava e meu corpo congelava, minhas mãos permaneciam na área dos meus testículos, era tanta dor que meu corpo havia travado. O medo maior era vir algum animal marinho me devorar, não sobraria nada de mim para contar história, ou os outros dois esconderiam o que rolou momentos antes da minha morte para salvar a própria pele de um possível crime, não restaria nem uma perna ou um dedo.
Seria dado como desaparecido, pois era para estar na cama dormindo e não tentando impedir um assédio. Minha mente estava repleta de pensamentos suicidas, mas não demorou muito para que perdesse os sentidos e finalmente falecesse. A hora da morte é sempre muito agonizante, pude sentir na pele o que é estar entre a vida e a morte, e por mais que fosse uma situação horrorosa, não era a primeira vez que me encontrava com a morte de forma tão perspicaz.
Assim como para Was, estava entregue à morte, nada dentro dos meus pensamentos e nem nos meus planejados para a madrugada, chegou a minha vez. Um adeus ao mundo cão, tão cruel e maléfico, perderam uma alma de luz, fui dessa para melhor. Adeus sonhos, adeus família, adeus amigos e adeus Was, querido e honorável amor da minha vida.
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Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.
RomansaAgno é um jovem reservado de 18 anos, que mesmo sendo hétero, encontra o amor em um homem saudável e atlético no auge dos seus 23 anos de idade, que no caso, também é hétero. Os amigos o acompanham na sua auto descoberta e tentam o ajudar, mas o gar...