Você por aqui?

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Observava o caminho pelo vidro da mesma janela de antes, era o mesmo carro, não que fosse ruim, talvez até tivesse sido melhor. Percebi que o motorista se interessava bastante por música, pois o rádio estava sempre ligado, de forma que não incomodasse quem estivesse junto.
Estava tão eufórico que não pude me conter, ficar parado e em silêncio era mais que um costume para mim, quase um estilo de vida; mas naquela noite algo mudou, pelo menos um pouco. Puxei assunto com o motorista que respondeu gentilmente cada uma das minhas perguntas, era como imaginava, um tanto legal e uma companhia agradável.

- Não gosta mesmo do senhor Joaquim?
O olhei curioso para saber o sentido daquela pergunta que surgiu justo quando nos faltou assunto.
- Como assim? - o outro riu baixo.
- Está mais do que óbvio o imenso interesse dele, mas já você não me parece tão à vontade com isso.
- Não mesmo... - suspirei caindo levemente com o olhar.
- Quer conversar sobre?
- Não sei se devemos.
- Está com medo de eu contar para a família dele? Se for isso fique tranquilo, não tenho permissão e nem coragem de me infiltrar nos assuntos particulares dos meus patrões.
- Bom, eu sei... mas... é meio rude da minha parte...
- Sou todo ouvidos. - voltei a suspirar.
- Joaquim é meu amigo desde quando nasci, nossos pais estudaram juntos na adolescência e desde então sempre trataram de manter contato. Parte da minha infância passei ao seu lado e éramos muito próximos, tanto que nos beijávamos como se fôssemos adultos.
- Onde vocês aprenderam isso?
- Vimos dois primos do Joaquim se beijando uma vez e então decidimos tentar, logo depois de gostar do que fizemos, perguntamos ao meu pai o porquê das pessoas se beijarem e ele disse que era um jeito que elas encontravam de demonstrar o amor que sentiam.
- E então vocês sabiam que se amavam como amigos e puseram-se a praticar?
- Exato! - rimos juntos enquanto me virava em sua direção.
- Prossiga.
- Quando nossos pais nos contaram que não poderíamos mais nos ver como antes, fizemos a promessa de quando nos encontrássemos, viraríamos um casal e ele levou isso muito a sério. Os anos se passaram até a data atual, eu conheci um homem do qual estou extremamente apaixonado, enquanto Joaquim alimentava os sentimentos e a esperança de ficar junto a mim.
- Já sei como essa história termina... mas espero que a de vocês seja diferente.
- Eu também espero.
- Mas você sente interesse por homens desde pequeno, ou só descobriu do que gosta agora?
- Quê? Como assim?
- Não entendeu? Basicamente eu perguntei se você já sabia que seria gay.
- Mas eu não sou gay!
- Por que não seria? Até agora você só mencionou homens.
- Porque é o assunto da vez, ora bolas! Eu gosto de mulheres, isso de me envolver com homens é pura exceção!
- Está sendo sincero?
- Como sempre sou, não suporto mentiras.
- Eu teria nojo ao sentir um outro homem me tocar de um jeito estranho, mas não tenho preconceito com o que as outras pessoas acham e sentem em relação a isso.
- Apenas saiba que Joaquim foi em uma época inocente do qual eu não sabia diferenciar um romance entre mulheres e homens, já com o Was está sendo uma exceção gigantesca. Jamais amaria um homem nesse sentido se não fosse ele.
- Acho que entendi a situação, você se apaixonou pela pessoa dele, e não pelo sexo?
- Exatamente! O senhor é muito inteligente, parabéns. - sorri largo o olhando. - Está sendo o primeiro a compreender.
- Obrigado pelo elogio, melhorou minha noite.

Mesmo sem saber seu nome, senti que ali poderia ser o início de uma futura grande amizade. Foi ótimo poder tirar o peso das costas, me sentia culpado por bagunçar completamente a vida de Joaquim, mesmo achando que ele deveria ter tido consciência de que as coisas mudam e as vezes nada que pertença ao futuro, poderá se assemelhar com o passado. Ele parecia continuar o mesmo menino ingênuo que brincava comigo de futebol e chorava quando me via machucar o pé ao errar a bola e chutar o chão, eu mesmo não me importava, mas ele sentia toda a dor por mim e ficava triste. Nossas vidas ficaram tão distantes, não deveria ter esquecido a tamanha importância do outro em minha vida, talvez até se me apaixonasse por ele ao invés de Was, minha vida seria muito melhor e também mais fácil, sem dúvida alguma.
Assim que o carro parou para que eu descesse, Joaquim gritou meu nome e acenou de longe, sua mãe estava o abraçando por trás, talvez fosse o motivo pelo qual ele não correu até mim. Desci do carro me despedindo do motorista e caminhei sorrindo feliz até as pessoas que me esperavam pacientemente para entrar em sua casa, tal qual estava mais para uma moderna mansão.
Quando me aproximei, Joaquim segurou minha mão e assim fomos caminhando um pouco atrás de seus pais. Após pouco tempo de conversa, decidimos que entraríamos mais tarde, primeiro queríamos ficar um tempo a sós, o casal assentiu gentilmente e foram para dentro enquanto eu e Joaquim andávamos lentamente sobre a areia da praia.

- Com licença, meninos, vocês poderiam... - ouvi uma voz dizer algo e me virei na direção contrária logo abrindo um sorriso. - Agno?
- Olá, Was! - o outro me olhava assustado.
- O que você está fazendo aqui?
- Lembra daquele amigo de infância que lhe falei? Então, vim passar uns dias em sua casa.
- Mas por que não me disse que também viria?
- Porque como havia me dito, não somos assim tão próximos.
- Pois bem, você está certo. Não teria sentido me contar se eu não tenho o mínimo interesse em saber de sua vida. - meu semblante descaiu, mas tentei ao máximo disfarçar.
- Se não tem interesse em saber da minha vida, então por que veio atrás de mim?
- Bom, para começar o seu amigo está afundando a minha bola na areia. - olhamos para o pé de Joaquim. - E tem outra coisa também.
- Desculpe, não queria pisar na... sua bola?
Segurei o riso por saber o quanto Joaquim estaria vermelho ao falar algo em duplo sentido.
- Enfim, tem alguém que por algum tempo andou o observando e se interessou por você, agora essa pessoa está querendo saber se tem alguma chance.
Meu coração começou a pulsar tão forte que chegava a machucar, finalmente Was estava se declarando para mim e eu não estava nem um pouco preparado para tanto.
- Sério? Quem? Eu quero, sim, eu quero muito! - respondi animado quase pulando de alegria.
- Bem, é aquele homem ali com a camisa preta estampada de pequenas bolinhas brancas. Ele é primo da Giúlia e tem bastante dinheiro, vocês poderiam até mesmo andar juntos no iate dele.
Was apontou para um homem que me olhava com um sorriso ladino e aparentava usufruir dos seus preciosos vinte e dois anos.
- Hu, ele é lindo demais! - afirmou Joaquim me olhando com os olhos brilhantes.
- Diga a ele que espero vê-lo morto!
Minha feição havia mudado de feliz a furiosa, peguei o pulso de Joaquim e o puxei com força na direção da casa.
- Mas qual é o problema? Ele é jovem, bonito e pode te dar o que você quiser. - contestou Was ainda no mesmo lugar.
- Eu não sou gay! Pare de tentar empurrar homens para mim, seu desgraçado!

Gritei de forma grosseira após ter me virado em sua direção e voltei a puxar Joaquim para dentro da casa, estava fervendo em ódio, não suportava mais ser tão observado daquele jeito por homens. Estava tão farto a ponto de não mais querer me aproximar de nenhum, mas logo Madalena entrou na casa e fui direto afundar meu rosto em seus seios. Nenhum dos dois ali presentes entenderam o que estava acontecendo comigo; abraçava Madalena de forma que a fizesse entender o quanto estava cansado de tudo aquilo, então somente me abraçou de volta enquanto acariciava minhas costas.
Em pouco tempo já estava em prantos, esfregava devagar o rosto sobre os seios alheios enquanto Joaquim corria até a cozinha na intenção de pedir um copo de água com açúcar para me acalmar. Fui levado até o sofá, onde me sentei e tomei o líquido a mim oferecido enquanto soluçava em resultado do choro que prendia. Por mais que as vezes tudo parecia estar bem, por dentro eu estava louco, um emaranhado de linhas e sentimentos se formavam junto com o embolado dos meus pensamentos, tudo cooperava para que enlouquecesse.
Madalena havia ouvido meus gritos e correu para ver se eu estava bem, era madrugada, mas não tão tarde. Joaquim fazia cafuné em meu cabelo enquanto prometia fazer de tudo para me ver melhorar e perguntou o que me deixaria mais calmo, respondi que adoraria passar a noite junto de sua prima e que estar junto dos meus amigos também seria bom. Joaquim assentiu e pediu para que seu mordomo ligasse para Camila e fizesse com que ela combinasse a vinda dos meus amigos, todos os mais próximos, não queria abusar, mas acho que já tinha o feito.
Todos eles viriam e saber que teria uma pequena festa junto da chegada deles me deixava um pouco melhor, Madalena também foi ótima ao se deitar comigo e me acariciar até que eu adormecesse, fui vencido pelo cansaço em conchavo com o sono sem nem perceber.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora