Para mim você morreu

10 9 0
                                    

Acordar sabendo que ao meu lado esteve o homem que tanto amava era uma das melhores coisas do mundo, Was dormiu junto a mim, sobre a mesma cama e dividindo o mesmo lençol. Poder admirar seu olhar apaixonado antes de me render ao sono fez valer a pena todas as vezes em que sofri, quando o conheci nem passava pela minha cabeça o quanto me importaria e o quão feliz seria somente ao saber que me amava, eu não almejava mais nada além de um relacionamento sério.
Meus olhos nem haviam sido abertos ainda, mas um sorriso crescia mansamente em meus lábios, a noite passada tinha sido incrível, tanto como a tarde e o dia, eu me lembrava de tudo, carregaria aquelas lindas lembranças no coração e pensamento para sempre. Ao sentar-me sobre a cama, me deparei com uma bandeja ao lado da minha perna direita, coberta por guloseimas, frutas e um grande copo de suco do meu sabor favorito, morango. Ao lado do objeto estava um bilhete escrito: "Bom dia, amor! Se não estiver ao seu lado me espere aí mesmo na cama, não demoro. Ah, e aproveite esse tempo para comer, sei que acorda com fome e fiz a decoração com muito carinho, espero que goste. Com amor, Was."
Meu rosto chegava a doer de tanto que sorria, como não se apaixonar por um homem maravilhoso desse? Um verdadeiro príncipe, sentia como se fosse explodir de amor. Deixei o bilhete sobre a cama e me propus a comer os alimentos diante de mim, estava tudo tão delicioso, não era difícil acreditar que Was havia preparado tudo, sua inteligência e talento não me deixavam duvidar. Após me alimentar, levantei-me indo de forma incômoda até o banheiro, minha real vontade era correr, mas se fosse visto, pegaria mal estar correndo feito uma criança indisciplinada na casa dos outros, deveria me comportar.
Não demorou muito para que voltasse para o quarto, e pra a minha surpresa, Was estava sentado na cama com os braços cruzados.

- Leu o bilhete?
- Li sim.
- Então por que não me esperou na cama como pedi?
- Precisei ir ao banheiro para escovar os dentes e tomar banho.
- Ok, mas e os doces que pus na bandeja? Você nem tocou.
- Ah, não como doce.
- Como é? Desde quando?
- Desde ontem, quando me trouxe mousse de limão e eu recusei.
- Uma vez só.
- Recusei outras vezes também, você trouxe de todos os sabores.
- Então o problema sou eu?
- Óbvio que não, realmente não como doce.
- Fresco.
- Vai passar o dia na minha companhia novamente?
- Sim, mas não na cama.
- Onde mais então? - Was pegou minha mão e me jogou para fora do quarto pela janela, logo voltou a segurar minha mão e correu. - Ei, o que está fazendo?
Perguntei tentando acompanhar a velocidade em que o outro corria.
- Chegamos, fazia muito tempo que desejava trazê-lo aqui.
Olhei em volta no local onde Was havia arrumado um jeito de me por dentro e entrar logo em seguida.
- Mas essa é a sala de música dos Albuquerques...
- Como sabe? Nem mesmo lhe dei tempo de observar o caminho.
- Eu e Joaquim vivíamos aqui quando crianças, somos amigos de infância, ou pelo menos éramos... - cai com o olhar.
- O que houve?
- Ele nos viu transando na praia e ficou com raiva, não me quer mais em sua casa, planejava voltar hoje mesmo para casa, mas não quero ficar longe de você...
- Vamos esquecer esse assunto triste por agora? Tenho algo te mostrar.

Was sentou-se sobre o banco da bateria; com as baquetas nas mãos, sorriu ladino e pôs-se a tocar uma música no instrumento, tal qual não conhecia. Cruzei os braços com a feição desafiadora enquanto o outro tocava como se não houvesse amanhã, seu jeito apresentado me fazia rir, não tinha como. Fiquei em silêncio o ouvindo dizer que era realmente lastimável a minha falta de talento musical, mas assim que o russo acabou de desdenhar, caminhei até o piano sentando-me na frente do objeto e o olhei antes até de tocar em uma das teclas. Enquanto tocava uma canção de ninar que minha mãe cantava para Joaquim eu e dormir, Was me olhava totalmente perplexo, me fazendo rir outra vez.
Apesar de não ter dito nada quando o outro tocava, recebia mais que uma dúzia de elogios, Was parecia verdadeiramente arrependido e entusiasmado com os talentos que não pareciam pertencer a mim, haviam muitos detalhes sobre minha vida que ele ainda precisava saber. Não ficamos muito tempo na sala de música, por mais que me trouxesse más recordações, aceitei ir novamente até as  grandes pedras da praia, mas infelizmente, tivemos que passar por pessoas que nos julgavam com os olhos. Somente saber que todos haviam visto não era o suficiente? Precisavam mesmo nos encarar e nos fazer sentir mais podres do que já achávamos que fôssemos? No caso eu, pois Was parecia não se importar nem um pouco.
Estávamos no mesmo local, com o sol esquentando nossos ombros e acendendo os lisos, porém loiros, fios de cabelo do russo. O silêncio que pairava sobre nós me permitia pensar em como faria o pedido, estava ansioso e envergonhado, finalmente chegou o momento de me declarar e dizer o quanto o amava. Estava tudo arquitetado em minha mente, mas quando minha boca se abriu para que as palavras saíssem, alguém chamou por Was, olhamos para trás vendo de quem se tratava, era a empregada de Giúlia que vinha andando com dificuldade sobre as pedras.

- Senhor Volkov, alguém quer falar-te ao telefone. - disse a mulher ao se aproximar.
- Quem seria?
- Sua esposa, senhor.
- Ah, lembrou de perguntar do que se tratava quando atendesse o telefone e a ligação fosse para mim? Ela chegou a dizer?
- Sim, ela disse ser urgente.
- Urgente?
- Seu filho está doente.
- Me dê.
O telefone foi entregue ao homem que respondeu de imediato ao que era falado do outro lado da linha, eu podia ouvir ambos.
- Você é casado...
Sussurrei olhando fixo para o mar logo após a ligação se encerrar e a mulher ir embora com o telefone.
- Me desculpe por não ter contado. - disse ele levando seu olhar a mim.
- É somente por isso que se desculpa?
- Agno...
- Não me venha com essa de "Agno", você mentiu para mim! Mentiu para a Giúlia!
- Ela sempre soube.
- Como? Ela sabe que você é casado e mesmo assim fica no seu pé?
- Yes, she is a bitch.
- Mas e quanto a mim?
- Acha que me mantive distante por qual motivo? Eu sabia que iria acabar o magoando com isso.
- O pior de tudo foi ter dito que me amava.
- Isso é verdade, eu não a amo, mas amo você.
- Ah sim, então... voltará após o divórcio?
- Que divórcio?
- Ué? Você não disse que ama a mim e não a ela?
- Sim, eu disse, mas não vou me divorciar.
- Não haverá divórcio?
- Não.

Levantei-me e fiquei durante alguns minutos o encarando em silêncio, era surreal ver como ele conseguia ser tão frio em um momento delicado como aquele. Não demonstrava nem um pouco de remorso, talvez no fundo gostasse da situação, afinal, quem não gosta de ser amado? Era esse o motivo pelo qual não me assumia, o motivo de tantas vezes ter fingido que eu não existia, o motivo de não precisar de mim.
Was tinha com quem contar e o mundo em suas mãos, para quê ter uma criança carente correndo atrás de sua atenção, quando já tinha uma esposa o esperando em casa e uma vadia estrangeira para o divertir quando a vida o deixasse cansado do que encarava dia após dia? Imundo, eu o repudiava de todas as formas possíveis, poderia chutar seus sacos escrotais e cuspir em seu rosto, mas não merecia o meu degaste, muito menos o meu tempo.
Desviei o olhar e me ausentei do local. Nada a declarar, nada a expressar, apenas devolvia toda a ignorância que me foi dada durante muito tempo, Was Volkov estava morto para mim.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora