Você fala demais, amigo

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Por mais que amasse toda a família de Joaquim que me fora apresentada, estava cansado de estar ali, queria ver meus pais, deitar em minha cama, e por incrível que pareça, abraçar Maria. Dizem que não há lugar melhor no mundo que o nosso lugar e não havia nada que me definisse tanto, minha humilde residência estava fazendo falta. A casa de Joaquim, no caso uma mansão, era luxuosa demais, eu não estava acostumado. Olhar ao redor me apertava o coração, era como ser expulso do planeta Terra e ir parar no espaço, sem a mãe para reclamar da ausência de ânimo e sem o abraço do pai, tão doloroso quanto.
Já havia anoitecido há um tempo, os donos da casa ainda estavam acordados, mas de vez parei de me preocupar, se quisessem me mandar de volta para casa ou se fossem me dar um sermão, que fizessem, já não me importava mais. Saí da casa indo até a escada que passei parte da madrugada passada sentado, ficando do mesmo jeito, na mesma posição. Dane-se se Was fosse malhar, dane-se se Giúlia arrumasse confusão desnecessária, dane-se se os dias da pessoa que eu amava estavam contados para mim, dane-se. A única coisa que me deixaria melhor naquele momento era uma garrafa de alguma bebida alcoólica, iria bebê-la sozinho e me embriagaria de forma que esquecesse quem eu era, onde estava, quem amava e que não pertencia a ninguém.
Pouco antes de sair da casa conferi o horário, eram quase meia-noite e nenhum sinal de Was, talvez não fosse malhar, mas o esperaria até o amanhecer se fosse necessário, precisava vê-lo. A maresia me sufocava, talvez estivesse ansioso demais para apreciar a paisagem e o que a acompanhava. Olhava na direção da casa de Giúlia na esperança dele vir, mas era tempo perdido em vão, não via nada além de areia. Não tinha como relaxar, minha cabeça estava um turbilhão, e pensar que ser visto na noite passada fosse o motivo de quem eu esperava não vir me deixou desesperado, pus as mãos sobre o rosto e apenas permiti me libertar, as lágrimas então rolaram devagar fazendo meus olhos ficarem vermelhos.

- Você não vai parar, não é?
Assim que ouvi uma voz vinda de bem perto, abri os olhos e fui virando a cabeça devagar em sua direção.
- Was? O que faz aqui?
- Assistindo a sua queda.
Olhei para o cigarro e o copo preenchido pela metade de algo alcoólico, soube pelo cheiro.
- Então veio rir de mim, eu já imaginava.
- Por que riria de você?
- Porque eu sou otário.
- Você é otário?
- Sim, por qual outro motivo estaria aqui?
- Pelo mesmo motivo de ontem. - Was deu uma tragada em seu cigarro.
- Ontem?! - arregalei os olhos.
- Pensa que eu não sei que esteve me observando?
Was me olhou de relance com um sorriso ladino nos lábios e soltou a fumaça em meu rosto.
- Você... está bravo?
- Era para estar? - voltou a tragar.
- Was, pare de brincar comigo... assim faz-me sentir um camundongo em suas mãos... - abaixei a cabeça.
- Pelos menos você seria tocado.
- Só no modo de dizer mesmo, porque na realidade é impossível. Você nem fala comigo.
- Não falo porque você me deixa triste.
- Ah, eu te deixo triste?
- Sim.
- Falando assim até parece que sou eu quem te ignoro.
- Justamente por te ignorar que fico triste, muitas das vezes quis te abraçar, olhar nos seus olhos e dizer que te amo, te defender de pessoas que queriam o seu mal e afastar homens com segundas intenções, mas eu nunca pude...
- E por que não?
- Você não é meu.
Was caiu com o olhar enquanto eu o encarava sem reação.
- Então... eu ouvi certo? Você me ama?
- Sim... talvez você nem saiba, mas... eu sempre soube do seu interesse em mim.
- Como descobriu?
- Se eu for contar ficaremos conversando a noite toda.
Virou-se para a sua frente e jogou o cigarro dentro do copo.
- Não me importo.
- Bom, assim que soube do convite da Camila para vir passar um tempo em sua casa, tentei me preparar ao máximo para não fazer vergonha ao nome da minha família. Foi após pedir mais detalhes que sua mãe me contou sobre você, um garoto de dezessete anos que assim como o pai, não era de falar muito. Não me importei muito ao saber de sua existência, mas queria que fôssemos bons um com o outro para deixar Camila feliz, já que andava chateada com o modo que havia mudado. Quando cheguei no Brasil me surpreendi, você era completamente o oposto do que eu imaginava, no começo te achei muito antipático e complicado.
- Mas eu sou.
- Sim, porém, não esperava que fosse me apaixonar por você, eu realmente não fazia ideia! Você além de ser homem, ainda é uma criança e filho da minha madrinha, tem noção do quanto tudo é inaceitável para mim?
- Comigo também é assim, não gosto de homens.
- O bom naquela época era pensar que nunca sentiria o mesmo por mim, até porque você saiu com aquela garota, então estava tranquilo.
- Quando ficou a me encarar ir com Maria já gostava de mim?
- Não sei, mas lembro que tinha vontade de te olhar por mais tempo e talvez estivesse com um pouco de ciúmes ao vê-los juntos.
- Imaginei que estivesse. - ri de forma contida.
- Igual a mim imaginando que você estivesse interessado em mim quando ficou me observando nadar.
- Você percebeu? Não acredito, que vergonha...
- Sim, eu percebi também quando você me flagrou na floresta com a Giúlia, seus olhos sobre as minhas nádegas cobertas pela cueca quando estávamos em seu quarto, sua falta de resistência no nosso primeiro beijo, o tanto que gostou quando massageei seus ombros, o jeito como reagiu quando lhe abracei e beijei seu pescoço, sua vontade de ter meus olhos em seu corpo nu quando tentou me seduzir.
- Como? Você tinha visto?
- Sim. - encarei envergonhado o outro que ria.
- Não faz sentido, eu espiei para saber se me olhava, nem no quarto você estava.
- Mas agora estou aqui, certo?!
Was se aproximou de mim com um sorriso ladino nos lábios pronto para me beijar.
- Ei, não faça isso... os pais de Joaquim podem nos ver... - sussurrei virando um pouco o rosto.
- Antes de vir até você pedi para não nos atrapalharem.
O loiro virou novamente meu rosto em sua direção, e pela segunda vez tentou me beijar.
- Mas e a Giúlia? - voltei a virar o rosto.
- Cala a porra da boca.

Was agarrou minha cabeça com as duas mãos para que não mais pudesse fugir e deu início a um beijo intenso, não tive escolha a não ser retribuir; a língua alheia invadia minha boca como um matador de aluguel invadia uma casa atrás de sua vítima. Era com o gosto do cigarro e do álcool que finalmente o percebi à vontade ao meu lado, sendo assim, fiz o possível para agradá-lo naquele momento tão esperado por nós dois. Nosso beijo durou bastante tempo, mas assim que chegou ao fim, Was iniciou outro, mais calmo e ainda mais intenso que o interior.
Eu estava adorando, mesmo que não sentisse o gosto de sua saliva pura, só em poder senti-lo, para mim já era válido.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora