Sim, sou bom em tudo

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Uma discussão demorada, eu e meus pais não medíamos esforços para defender nossas opiniões. Queriam que voltasse para casa e não mais dar trabalho a ninguém sem ser eles, já eu queria ir para a casa de Joaquim, precisava ir. O juramento que fiz a mim mesmo de estar presente quando Was voltasse para a Rússia não podia ser quebrado, necessitava estar ao seu lado e me despedir quando chegasse a hora, não seria justo apenas abaixar a cabeça e obedecer meus pais para me auto decepcionar.
Após horas implorando, receber um sim foi o que me animou, mesmo não estando tão bem, não poderia simplesmente voltar para casa e viver minha vida normalmente sabendo que o homem do qual amava passaria seus últimos dias no país distante de mim. Sabia que para ele não fazia a menor diferença eu estar por perto ou não, mas para mim mudava cerca de uma vida inteira, nunca senti algo tão forte quanto o amor que sintia por ele, e mesmo sem ter como fazê-lo saber, só de poder vê-lo já era o suficiente para mim.
Assim que retornei para a casa de Joaquim, sua família me recebeu com uma pequena festa; meus olhos cresceram ao verem o tanto de coisa boa para comer, estavam sobre a mesa apenas esperando por mim. A parte triste, além da cabeça doendo, era chegar e saber que meus amigos haviam voltado para suas casas, mas pelo menos Joaquim e Madalena estavam comigo, duas ótimas companhias. Quando a comemoração chegou ao fim, fui levado até meu quarto temporário e pendurei a camisa de Was em um suporte apropriado perto da porta, nunca deixaria ninguém nem se quer encostar nela e guardaria a carta como se fosse o pagamento de um agiota.

- Essa camisa é sua?
Joaquim se referia à camisa que Was havia me dado.
- Agora sim, mas antes pertencia ao Was.
Respondi me sentando na cama de frente para os primos.
- Ele deixou aqui? Devolva antes que dê falta. - Madalena parecia me dar um sermão, nada fora do comum.
- Não dará falta.
- Como sabe? Ele pode muito bem o acusar de ter furtado.
- Madalena?! - Joaquim a repreendeu com o olhar. - O que quer dizer com isso? Agno não é nenhum criminoso e nem ladrão!
- Acalme-se, Joaquim. - sorri fraco para ele. - Was me deu sua camisa de presente.
- Não... é sério? - o garoto me olhava com a feição animada.
- Sim, sério. - caí com o olhar rindo baixo. - Também me deu uma carta.
- O que dizia nela?
- Ele contou como me salvou e é basicamente só isso que lembro, minha cabeça ainda dói...
- Não a force demais, está bem?
- Irá vê-lo essa noite? Pelo o que soube estará malhando na praia pela madrugada.
- É lógico que irei, não perderia nem uma chance se quer de vê-lo. Mesmo que seja de longe.
- Você o ama de verdade, não é? - sorri a olhando.
- Sim... é um sentimento puro e exagerado...
- Mas se você gosta de homens, então por que não dá uma chance ao meu primo?
- Madalena! - Joaquim voltou a repreendê-la com o olhar.
- Não é porque eu gosto de um homem que sou obrigado a gostar de todos, eu amo o seu primo como um irmão que nunca tive.
- Deixe ela para lá, já tentei explicar que você gosta de mulheres, mas ela cisma que és gay por ter sentimentos pelo Was.
- Madalena, ouça, eu amo a pessoa do Was. Amo seu sorriso, amo seu jeito de ajeitar as roupas em seu corpo, amo seu bom humor, amo quando suas mãos bagunçam meu cabelo e amo a forma como me sinto a pessoa mais feliz do mundo quando estou ao seu lado. Só de estar com ele meu coração acelera e é isso que levo em conta, não são coisas como o que ele esconde quando veste uma calça ou se seus seios existem que me fazem amá-lo.
- Was é uma exceção na vida dele, tente entendê-lo, deve ser difícil lidar com essa situação.
- Você não sabe o quanto...
- Não adianta, Agno, nada do que me disser fará com que eu desista de ver você e Joaquim juntos.

Realmente não iria adiantar, Joaquim estava tão vermelho e tímido com aquele assunto que preferi partir para algo mais auto-astral. Falar sobre seu anime favorito foi uma boa tática para ver seu sorriso, Joaquim era fã de um personagem engraçado e meio bobo que amava lutar, sempre que tinha oportunidades estava lutando, assistíamos quando éramos crianças. Esse novo assunto fez Madalena bufar e ir embora batendo os pés, dizia ela que anime não era para garotos da nossa idade gostar, mas não dávamos a mínima para suas palavras e talvez isso possa ter a enfurecido.
Horas se passaram sem que percebessemos, fomos nos dar conta do horário quando Madalena entrou no quarto correndo; segurava com força o pulso de Was que foi claramente obrigado a entrar também. Assim que a garota soltou seu pulso, olhei para o local vendo a marca que seus dedos deixaram na pele branca do homem e mordi interiormente os lábios a fim de prender o riso.

- Meninos, o Was é muito inteligente!
- Já sabemos disso, é bem perceptível.
- Sabemos também que está o constrangendo, deixe-o ir.
Contrariava minha imensa vontade de tê-lo ali por mais tempo.
- Não agora, o trouxe para mostrar isso!
Madalena tomou grosseiramente o Cubo de Rubik da mão do Was, tal qual o trazia.
- Uau! Ele conseguiu resolver! - ressaltou Joaquim.
- Só acredito vendo. - afirmei no intuito de desafiá-lo.
- E quem disse que preciso da sua crença? - respondeu Was com a feição séria.
- Ele fará aqui para vocês!
- Farei? - o russo a olhou confuso.
- Acha que o trouxe aqui atoa? - a garota riu - Esperem aqui, pegarei o meu cubo e já volto!

Madalena correu às pressas para fora do quarto deixando nós três em um clima ruim; um silêncio incômodo se fez presente enquanto trocava olhares nada discretos com Was, não era possível capitar nenhuma emoção em seus olhos e acreditava que comigo era igual. A casa de Madalena não era muito longe, mas também não tão perto e mesmo com toda a pressa em que havia ido, demorava um tanto.
A fim de quebrar o silêncio, Joaquim deu início a um assunto que rapidamente tomou a atenção de Was, que evidente sem jeito e com um sorriso sem graça nos lábios o respondeu educadamente. Era fascinante o modo como Was lidava com as pessoas e com os assuntos em questão, sentia que dominava qualquer coisa em qualquer sentido, era realmente a definição de um homem inteligente e interessante. Madalena enfim havia voltado e entregado o cubo nas mãos do russo, era bem mais que aceitável a forma como Was reagia a toda aquela pressão, além de também ser óbvio o que Madalena não percebia. Resolver um Cubo de Rubik era muito complicado, por vezes eu e Lucas tentamos, mas realmente era difícil, nenhum dos dois chegou perto de conseguir. Se para nós que tínhamos a cabeça "vazia" havia sido difícil mesmo depois de várias tentativas, por quê Was conseguiria com tanta pressão e em tão pouco tempo? Me sentia mal ao vê-lo em uma situação tão constrangedora, tinha vontade de defendê-lo do jeito bruto que Madalena usava para obrigá-lo a fazer o que queria, mas antes que pudesse reunir coragem o suficiente para isso, Was concordou e começou a movimentar seus dedos com rapidez no objeto. Não sei quanto aos outros, mas eu simplesmente não conseguia piscar, a velocidade dos dedos de Was era tanta que em mais ou menos um minuto o cubo havia sido completamente resolvido.
Realmente não fazia ideia do que Was era capaz de fazer, meus pensamentos se calaram por um instante, achava de forma errônea que não fosse possível um homem tão despojado como ele ter tanto talento com algo que, na minha concepção, era intelectual. Was estava extremamente fofo com aquelas bochechas rosadas, não lembrava de nenhum momento em que pude vê-lo envergonhado daquela maneira. Joaquim o enchia de elogios e Madalena sorria perguntando para mim se não havia achado incrível o que presenciei. O olhar tímido de Was estava direcionado ao meu rosto, eu até poderia dizer o quão impressionado fiquei, mas não conseguia proferir nenhuma palavra, apenas retribuía o olhar do homem sem expor nenhuma emoção ou reação.

Blue! - A Dimensão Dos Seus Olhos.Onde histórias criam vida. Descubra agora