Contagem

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Maya já estava leve, abrindo a segunda caixa de cerveja que trouxera. A batata frita fornecida por Rafael não estava em quantidade suficiente para forrar seu estômago e lhe livrar da alta receptividade do organismo à influência do álcool. Sentada em minha mesa com as pernas cruzadas cobertas por uma saia justa e pequena, e inclinada na direção de Rafael — seus seios quase pulando do decote —, falava sobre todo o tipo de coisa, menos do que me interessava. Cruzei minhas mãos em cima do colo, respirando fundo mentalmente para adquirir mais um pouco de paciência. Rafael me lançava alguns olhares furtivos, transmitindo alguma mensagem que não consegui captar.

— E é claro que prefiro um bom banho de banheira do que uma chuveirada. A banheira nos dá certas liberdades — ela disse com malicia, dando uma risadinha quase infantil, aparentemente concluindo sua lista de preferências aleatórias.

Eu sorri com incentivo, arqueando a sobrancelha como se soubesse do que ela estava falando. O cenho de Rafael se franziu imperceptivelmente. Não precisava ser muito esperto para ver que Maya não estava se saindo muito bem no jogo da sedução com ele. Estava na hora de uma interferência para melhorar o seu lado e o meu.

— Conte-nos como você é uma pessoa de sucesso em seu emprego. Quer dizer, ainda não conquistei tanta confiança de Hazel como esperava a essa altura, preciso de algumas lições. Maya é muito responsável — acrescentei para Rafael, ele parecia apreciar essas coisas.

Sua expressão se clareou minimamente, uma pequena faísca de esperança de um assunto interessante.

— É mesmo? O que você faz?

Ela colocou a mão na boca, tentando esconder o sorriso pervertido. Enrijeci.

— Bom, você tem que estar disposta a correr alguns riscos. Afinal, toda relação humana que se preze envolve um pouco de sacrifício — discursou com seriedade, a postura muito bem calculada.

Relaxei na cadeira. Não fora uma resposta tão ruim quanto pensei, mas evasiva na medida certa.

— Ela é assistente pessoal de um empresário de sucesso — contei, preferindo eu mesma acrescentar detalhes rasos.

— Eu conheço a empresa? — Rafael perguntou, me pegando de surpresa.

Maya simplesmente deu de ombros, virando a latinha na boca.

— Provavelmente não. Eles são canadenses.

A informação me deixou em alerta. Ela estaria mentindo para enganar Rafael? Eu me lembrava de ter lido esta nacionalidade na certidão de Justin. E se fossem, por que estavam aqui? Ou seu negócio era internacionalmente amplo? A suposição me deu náuseas.

— É altamente estressante, sabe? É tanta responsabilidade — ela expirou, relaxando os ombros e balançando as pernas. Se não tomasse cuidado com a altura e distancia delas, poderia deixar a vista sua calcinha. Não que eu achasse que se importava com aquilo.

Seu iPhone vibrou na mesa bem à minha frente. Devido aos seus reflexos lentos, ela demorou a pegá-lo e consegui ler a mensagem.

"059 para Annelise. "

As palavras vinham de um número desconhecido, mas o nome contido nelas me arrepiou a espinha. Maya leu o recado esforçando um pouco os olhos, então bufou trepidando os lábios e jogou a cabeça para trás teatralmente.

— Eu bem disse. Faith, pegue o iPad na minha bolsa pra mim.

Tirei sua bolsa preta debaixo da mesa e abri o zíper, resgatando o iPad preto de dentro dela, o único objeto diferente que ali constava desde a última vez que eu fuçara. Eu estava tensa. Se ela sabia quem era Annelise, deveria saber que aquela desalmada estava atrás de mim. E o que significavam os números 059?

One LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora