Traição

294 20 7
                                    

Tinha certeza que o andar de baixo continuava exatamente da mesma forma que eu vira minutos atrás, mas havia alguma coisa de diferente notável no ar. Ponderava o que poderia ser nos últimos degraus da escada quando fui interceptada por Eleanor e Bryan. Desejei dar meia volta ao reparar nas expressões graves, depois entrei em um acordo comigo mesma de que não era mais obrigada a suportar possíveis broncas dos dois, se eles começassem, simplesmente os deixaria falando sozinhos.

— Gostei do vestido — Eleanor disse, provavelmente para amaciar minha carne primeiro — Podemos ter uma conversa em particular? — indicou ligeiramente para a cozinha.

Apenas cinco minutos, foi tudo o que eu decidi reservar a eles. Os segui até a sala de jantar com o pensamento dividido entre reviver os últimos momentos com Justin e consequentemente elencar teorias, e me preocupar com a conversa que este preparara nas minhas costas. Juntando os dois pontos cheguei a uma única pergunta: Justin teria feito todo aquele discurso e finalizado com beijos só para eu esquecer de que estava furiosa com ele?

— Estamos ansiosos para entregar seu presente. Queríamos guardar até o fim da festa, mas concluímos que não há razão para esperar — Bryan tomou a palavra, enlaçado ao braço de Eleanor. Os dois trocaram um olhar cheio de expectativa, me dando a percepção de que aquele presente fora ideia dos dois. Uma ideia cultivada com calma. No mínimo, me despertou curiosidade.

Bryan tirou de dentro de seu paletó um envelope dourado e o estendeu na minha direção, exalando um misto de nervosismo e satisfação pessoal. Eles estavam orgulhosos pelo gesto, não dava para negar. Com tanto mistério, não demorei a tomá-lo de sua mão, descartando qualquer tipo de suspense para investigar o conteúdo. Tirei o papel solitário e o li com ceticismo.

Reli inúmeras vezes, certa de que não havia entendido ou pulado algumas palavras. Quando percebi que o resultado era sempre o mesmo, os encarei a fim de que me explicassem. Bryan segurava a mão de Eleanor nervosamente.

— Sei que é um pouco tarde para tomar essa atitude — começou, firme — Mas o meu maior medo sempre foi falhar com essa família. Eu nunca quis que carregassem peso algum nas costas, e pensei que podia resolver isso sem tirar o conforto de vocês. Agora entendo que essa decisão não cabia exclusivamente a mim — respirou, apertando os olhos, persuasivo — Faith, só consegui tudo o que temos porque lutei, e não quis abrir mão tão fácil assim. Diante do meu fracasso contínuo em resolver a questão, enxerguei que ceder à essas imposições também é lutar, lutar por vocês. A única coisa no mundo que realmente me importa são vocês. Manter todo esse capital apenas nos deixou em risco e te afastou do lugar ao qual pertence. Então sua mãe e eu decidimos entregar tudo sem nem olhar para trás, recomeçar do zero. Primeiro quisemos te dar uma festa de aniversário que realmente te agrade enquanto ainda temos condição, porque todo esse luxo só vale a pena se você estiver aqui. Sabemos que todo o dano causado nunca será apagado. Eu nunca vou me perdoar pelo falecimento de Bieber, e não sou tão audacioso assim para esperar que me perdoe. Só peço que não se esqueça o quanto te amamos.

Eleanor estava mesmo limpando lágrimas que disfarçadamente escapuliam por seus olhos. Bryan esperou que ela completasse seu discurso, porém, quando percebeu que chorava, se esforçou para deixá-la fora de vista, fugindo da sensibilidade que antecipadamente ameaçava subir ao seu rosto. Parecia difícil acreditar que a palavra "amor" havia realmente saído de seus lábios. O orgulho de Bryan Evans o precedia, demonstrar sentimentos para ele era o mesmo que andar nu no meio de um campo de batalha congelado. Mas ele finalmente cedia.

Senti meu coração dar uma vacilada ao tempo que reprimia a vontade de eximi-lo de uma morte inexistente. Comovida, reagi de acordo com meus impulsos, sufocando meu pai com meus braços, escondi a cabeça em seu peito. Eu não me lembrava qual havia sido a última vez que nos abraçamos, mas estar envolvida por ele me trazia um gosto de chocolate quente e filmes infantis. Quando criança não me importava de exigir seu amor, principalmente ao reencontrá-lo depois de uma de suas longas viagens à trabalho. Ninguém sabia fazer uma birra como eu para obrigá-lo a assistir um filme de minha escolha.

One LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora