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Rolei de lado, despertando de um pesadelo inoportuno. Os Peters haviam me amordaçado em sua sala de estar, Wren segurava uma espada estilo Mortal Kombat a postos, aguardando apenas a ordem dos pais para cravá-la em meu peito. Felizmente, fiquei tão perturbada a ponto de ser cuspida imediatamente do subconsciente. O suor pegajoso gotejava em minha testa e colava meus cabelos na nuca. Demorei a decidir o que seria pior: dormir novamente e arriscar voltar ao pesadelo ou levantar-me e encarar os preparativos para o almoço peculiar com os Peters.

— Faith? Tá tudo bem? — a voz enfraquecida de Maya me fez abrir os olhos. Ela me encarava do sofá, envolta na manta com a qual eu lhe cobrira de madrugada.

De repente me ocorreu. Feito uma idiota, tateei a cama, não confiando totalmente em minha visão.

— Justin não está aqui — explicou-me, adivinhando o que eu procurava.

Sentei-me tão rápido que fiquei tonta. Em menos de um segundo vislumbrei milhares de situações caóticas em que ele havia se metido.

— Onde ele está? — grasnei, rouca de sono.

— Saiu para buscar alguma coisa na casa de Caitlin. Me pediu para avisá-la que não chegará perto dos Peters e prometeu que se te encontrasse num estado minimamente pior quando voltasse, extinguiria minha árvore genealógica da terra — apertou os lábios — Por isso preciso garantir que você não está passando mal nem nada — finalizou com ansiedade.

Me joguei de volta aos travesseiros, frustrada. Alcancei meu celular embaixo de um deles e verifiquei as mensagens. Ele dizia ter saído às nove e prometia estar de volta nove e vinte, no máximo. Segundo o relógio, dali cinco minutos. Pisquei os olhos secos, meu corpo não tivera o tempo necessário para recompor as energias, mas me avisava estar desperto demais para me embalar na reconfortante — quando não agitada em pesadelos — inconsciência.

Deixei as mãos caírem no colchão, encarando o teto. Qual era a probabilidade de Deus me levar agora? Tipo, arrebatar mesmo.

— Você gosta mesmo dele, não é? — Maya introduziu o assunto vagarosamente, incerta de que podia expor o que pensava.

Olhei pra ela.

— Ele quem?

Torceu a boca.

— Justin. Dá pra sentir no ar a ligação de vocês quando estão próximos ou simplesmente trocam um olhar, como se fosse algo palpável. Sua expressão se transfigura quando o vê — descreveu, dotando certo tom de descrença — Não é uma coisa que eu já tenha presenciado por aí, então não dá pra não deixar de reparar — justificou-se rapidamente, atenta à alguma mudança em minha expressão.

Então ficava mesmo na cara o quanto eu era doente por ele, bom saber. Me remexi, desconfortável.

— Você conhece o sentimento? — reverti o assunto, não gostando nada da exposição que me encontrava, principalmente em alguém que eu não confiava.

Negou, fazendo um beicinho. Surpreendentemente estendeu sua fala em um desabafo posterior:

— Sempre achei que pudesse me contentar com olhares de cobiça sobre mim. Gosto da sensação de ser desejada e poder experimentar vários produtos — o canto de sua boca se repuxou com malicia ligeiramente — Só que não há nada de tão especial nisso. Em alguns momentos, eu só queria que alguém me olhasse como se pudesse ver minha alma de forma que fosse seu próprio sol — não piscou, imersa em seus pensamentos — e não como um pedaço de carne suculento no açougue — fitou-me — Você tem sorte.

Desde a noite em que levei Maya ao pub em Minneapolis, notei certa facilidade sua em expor sua vida em determinadas situações. Não imaginava, entretanto, que sua parte sentimental fosse tão profunda a ponto de provocar anseio por sentimentos maduros num relacionamento sério. No compartimento limitado do meu cérebro, a gaveta de Maya não permitia palavras como "compromissada".

One LoveOnde histórias criam vida. Descubra agora